Considerações Gerais sobre o Mandado de Segurança

 

 

Este trabalho não pretende esgotar o assunto, mas trazer à tona alguns modelos para servirem de lastro aos profissionais que pretendam usar este remédio contra atos ilegais cometidos em detrimento do direito líquido e certo.

 

Um dos temas que mais atormentam a elaboração da peça inicial é a questão do mandado de segurança contra ato judicial, isto é, se é cabível o procedimento ou se seria mais conveniente o pedido de correição parcial.

 

O mandado de segurança contra atos judiciais tem por objetivo garantir que o Estado se contenha dentro dos parâmetros da legalidade. É uma proteção contra a inexistência ou falta de eficácia de instrumentos nas normas ordinárias do processo, de forma que evite a consumação de lesão grave e de difícil reparação aos direitos das partes.

 

Comumente, o objeto normal do mandado de segurança é o ato do Executivo, porém, excepcionalmente, pode ser utilizado contra atos do Legislativo e Judiciário. Fiéis a essa orientação, os tribunais têm decidido, reiteradamente, que é cabível mandado de segurança contra ato judicial de qualquer natureza e instância, desde que ilegal e violador de direito líquido e certo do impetrante e não haja possibilidade de coibição eficaz e pronta pelos recursos comuns.

 

1. Considerações Preliminares

 

Estamos diante de um tema destinado a gerar polêmicas, profundamente conflitante, especialmente no plano da doutrina e da jurisprudência, eis que se trata de estabelecer as dimensões de exceção, cujo objetivo é fazer com que o estado moderno se contenha dentro dos parâmetros da legalidade, limitando os seus poderes.

 

Quando se fala em ato do Estado, logo se pensa em ato do executivo (ato administrativo). Este é o objeto normal do mandado de segurança.[1] Todavia, excepcionalmente, pode ser utilizado contra atos do Legislativo e do Judiciário. Justamente por isso é que o tema “mandado de segurança contra atos do juiz” está fadado a ser polêmico.

 

O mandado de segurança contra atos judiciais serve como uma espécie de válvula de escape do sistema jurisdicional, propiciando um remédio para resguardar o direito das partes no processo. A necessidade da via mandamental surge da inexistência ou falta de eficácia de instrumentos nas normas ordinárias do processo – geralmente recursos – que sejam capazes de evitar a consumação de uma lesão aos interesses das partes.[2]

 

Fiéis a essa orientação, os tribunais têm decidido, reiteradamente, que é cabível mandado de segurança contra ato judicial de qualquer natureza e instância, desde que ilegal e violador de direito líquido e certo do impetrante e não haja possibilidade de coibição eficaz e pronta pelos recursos comuns.[3]

 

Provenha o ato ofensor do Poder Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, o mandamus é o remédio heróico adequado, desde que a impetração, conforme anteriormente destacado, satisfação os pressupostos processuais.

 

2. Da Evolução do Pensamento Jurídico Pátrio

 

Neste momento, mister se faz, um exame da evolução do pensamento jurídico pátrio, para entendemos o cabimento excepcional do mandado de segurança contra ato judicial, em razão das alterações introduzidas pelo Código de Processo Civil.

 

Anteriormente a Lei 1.533/51, era discutido se o magistrado era ou não a autoridade a que se referia o texto constitucional.

 

Com a edição da Lei 1.533/51, a controvérsia passou a girar em torno de se saber, se havia ou não recurso cabível contra ato determinado, tendo em vista que o art. 5º, II, da mencionada lei, faz referência a que, para que o ato possa ser atacado por mandado de segurança, não deve ser impugnável pela via recursal ou correição parcial.

 

Em 1973, com o advento do Código de Processo Civil, a disposição da Lei 1.533/51 não pode mais ser interpretada literalmente. A partir de então, todas as decisões interlocutórias passaram a ser impugnáveis por meio de recurso e a problemática passou a girar em torno de se saber se a simples interposição do recurso impediria a produção de dano irreparável às partes. Neste momento, passou a se admitir o mandado de segurança contra ato judicial, se estes fossem impugnáveis por meio de recurso sem efeito suspensivo. Se o recurso tivesse efeito suspensivo, nem mesmo os pressupostos constitucionais estariam preenchidos, pois o ato não teria ofendido direito líquido e certo.

 

Atualmente paira a dúvida, se continua cabível o mandado de segurança contra atos dos juízes, mesmo após as recentes modificações pela qual vem passando o Código de Processo Civil, reduzindo a freqüência com que o mandado de segurança vinha sendo usado contra atos judiciais. Incluam-se entre as alterações aquelas introduzidas nos artigos 523, § 4º e 527 do Código de Processo Civil.

 

Desse modo, a impetração do writ contra ato judicial será reservada para aqueles casos em que efetivamente, seja descartadas todas as possibilidades de eficácia concedidas pelo sistema processual vigente. Aliás, um dos objetivos da Reforma do Código de Processo Civil foi exatamente o de reduzir a utilização indiscriminada e puramente casuístico do mandado de segurança.

 

O uso indiscriminado do mandado de segurança contra ato judicial levou o mestre Kazuo Watanabe a afirmar:

 

“ser garantia constitucional não torna o mandado de segurança um substituto incondicional dos recursos e tampouco panacéia geral para toda e qualquer situação, ora servindo como recurso, ora como sucedâneo da ação cautelar, às vezes substituto da ação rescisória.”[4]

 

3. Das Súmulas 267 e 268 do STF revisitadas

 

Levando-se em conta à trajetória percorrida até o surgimento do mandado de segurança em nosso sistema processual, passando pela extensão doutrinária e jurisprudencial do habeas corpus, chegou-se à conclusão que:

 

“o mandado de segurança ser cabível contra atos judiciais, como tais considerados todos os que são praticados por juiz ou tribunal no desempenho da função jurisdicional, in procedendo ou in judicando, assim nos processos da jurisdição dita contenciosa como nos procedimentos da jurisdição considerada voluntária.”[5]

 

O artigo 5º, II da Lei 1.533/51, sujeita os atos dos juízes e tribunais ao controle pelo mandado de segurança. A grande dificuldade em relação à matéria concerne em saber em quais situações estava-se autorizado a lançar mão da medida constitucional, diante da existência de outros meios processuais de impugnação do ato judicial, que se dividem em recursos e ações de impugnação (rescisória, embargos de terceiros, embargos do devedor fundado em falta de citação para processo de conhecimento).

 

Conforme anteriormente mencionado, num primeiro momento, tratava-se de se saber e se havia ou não recurso contra um determinado ato, em face da limitação dispositivo do artigo 5º da Lei 1.533/51, em relação ao cabimento do mandado de segurança àqueles atos não passíveis de serem atacados por recursos ou correição.

 

A posteriori, com o advento do Código de Processo Civil em 1973, passando todas as decisões interlocutórias a serem atacadas por meio de agravo, a discussão voltou-se à suficiência de via recursal ou correicional para evitar prejuízos irreparáveis às partes.

 

Hodiernamente, com as alterações trazidas pelas Leis 9.139/95 e 10.352/2001 ao regime de agravo de instrumento, mais do que nunca permaneceu atual a redação do artigo 5º, II da Lei 1.533/51, que vaticina:

 

“Não se dará mandado de segurança quando se tratar de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição.”[6]

 

A Súmula 267 do TF reforçou a literalidade do dispositivo supra mencionado, ao dispor: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial passível de recurso ou correição”.

 

O rigor da posição sumulada foi posteriormente abrandado pelo julgamento do RE 76.909-RS, formando-se precedente histórico para essa matéria e ampliando utilização do mandado de segurança contra atos judiciais.

 

Em voto memorável, o Ministro Xavier de Albuquerque, assim dispôs:

 

“da análise exaustiva de julgados sobre o assunto, se pode observar que a inadmissibilidade do mandado de segurança contra ato judicial é regra, e sua admissibilidade, - a exceção.”[7]

 

Conclui o Ministro, ainda, acerca da excepcionalidade:

 

“em suma, condições par a admissibilidade do mandado de segurança contra ato judicial são, para mim, a não suspensividade de recurso acaso cabível, ou a falta de antecipação de medida de correição a que também alude a lei, uma ou outra somadas ao dano ameaçado por ilegalidade patente e manifesta do ato impugnado e, com menor exigência relativamente a tal ilegalidade, àquele efetiva e objetivamente irreparável.”[8]

 

Portanto, todas as mudanças legislativas ocorridas, permitiram um abrandamento da Súmula 267 do STF. Na realidade, conforme veremos a seguir, a recorribilidade ou não do ato não é fator que sozinho afasta o cabimento do remédio constitucional, outros fatores conjugados deverão ser levados em conta, como condições e requisitos de seu cabimento (fumus boni iuris e periculum in mora).

 

Em face do abrandamento da utilização da Súmula 267, permitiu-se a utilização do mandado de segurança sempre que um recurso não tivesse efeito suspensivo e fossem verificados os requisitos do processo cautelar. Desse modo, a utilização do mandado de segurança tornou-se usual na vida forense, tornando-se pratica comum a utilização do mandado de segurança para dar efeito suspensivo ao recurso de agravo de instrumento.

 

A falha processual existente não permitia uma adequada prestação jurisdicional à parte agravante, vez que não permitia uma resposta apta e imediata capaz de evitar risco de dano irreparável decorrente da decisão impugnada.

 

A nova redação dada pela Lei 9.139/95, aos artigos 524 e 558 caput e parágrafo único, do Código de Processo Civil, praticamente eliminaram a problemática existente de cunho processual e constitucional, e a função que antes exercia pelo mandado de segurança passou a ser realizada pelo próprio recurso de agravo de instrumento, sem a necessidade de impetração daquele.

 

“Art. 524 – O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, através de petição com seguintes requisitos:

 

I – a exposição do fato e do direito;

 

II – as razões do pedido de reforma da decisão;

 

III – o nome e o endereço completo dos advogados, constantes do processo.”[9]

 

O texto revogado era do seguinte teor:

 

“Art. 524 – Deferida a formação do agravo, será intimado o agravado para, no prazo de cinco (05) dias, indicar as peças dos autos, que serão transladas, e juntar documentos novos”.

 

No sistema anterior, o agravo era interposto perante o juízo a quo e remetido o instrumento posteriormente ao tribunal. Atualmente o agravo de ser interposto diretamente no tribunal, acompanhado das razões do recurso e das peças obrigatórias e outras que o agravante queira juntar.[10] Interposto o agravo diretamente no tribunal competente, o relator apreciará o pedido de suspensão do ato agravado.

 

O novo texto do artigo 558 do Código de Processo Civil, redação dada pela Lei 9.139/95, assim dispõe:

 

“Art. 558 – O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.

 

Parágrafo único. Aplicar-se-á o dispositivo neste artigo às hipóteses do artigo 520.”[11]

 

 

A regra geral é de que o agravo é recebido no efeito devolutivo apenas. Somente pode o juiz dar efeito suspensivo ao recurso que, de ordinário, não o tenha, quando houver expressa autorização da lei nesse sentido. Portanto, permitiu o referido artigo, tanto para o agravo quanto para as hipóteses nas quais a apelação não tem efeito suspensivo, a possibilidade do relator suspender o efeito da decisão recorrida.

 

Não obstante, mesmo em face das mais recentes alterações introduzidas no sistema do agravo pela Lei 10.352/01, para alguns doutrinadores, seria ainda justificável a utilização do remédio constitucional, sempre que seja necessária a proteção a direito líquido e certo em face de ilegalidade ou abuso de poder por ato de autoridade pública (inclusive, no exercício do poder jurisdicional do Estado), que não seja solucionável por vias recursais ordinárias.

 

A segunda reforma dos artigos 523 e 527 do Código de Processo Civil (Lei 10.352/2001) veio a corrigir alguns pontos em relação aos quais o sistema processual não estava operando a contento. A seguir verificaremos a discussão sobre o cabimento do mandado de segurança em relação a esses pontos objeto de aperfeiçoamento na mais recente reforma: efeito ativo do agravo de instrumento e o deferimento do efeito suspensivo na apelação.

 

O ato que nega efeito suspensivo ao agravo é decisão interlocutória e pode causar gravame ao agravante, fazendo surgir o interesse do recorrente em impugnar a referida decisão. Aplica-se, por extensão o artigo 557, § 1º, cabendo agravo, no prazo estabelecido em lei, para o órgão colegiado apreciar o pedido de concessão de efeito suspensivo. Ou, ainda, mandado de segurança para obter a suspensão da eficácia da decisão agravada.

 

Caso a decisão impugnada seja de conteúdo negativo, como, por exemplo, o indeferimento da medida liminar, o relator pode conceder, liminar e provisoriamente, a medida pleiteada como mérito do recurso, atuando neste caso como juiz preparador do recurso, legitimando a parte agravante a obtenção de um efeito ativo no agravo de instrumento. O órgão colegiado competente para julgamento do mérito do recurso pode manter a medida concedida pelo relator ou revogá-la.

 

Outra reforma introduzida pala Lei 10.352/01, antes reconhecida apenas em sede doutrinária, foi o cabimento da interposição de agravo de instrumento contra a decisão que denegava em primeira instância a tutela antecipada. Reconheceu o legislador a possibilidade do relator deferir em antecipação a tutela à pretensão recursal, comunicando o juiz para cumprimento de sua decisão.

 

Obtinha-se, dessa forma, por força de extensão do disposto no artigo 273 do CPC, aquela medida cuja obtenção, se inexiste essa via, teria sido buscada por meio do mandado de segurança.[12]

 

Outra situação impugnável por mandado de segurança seria aquela da apelação nas hipóteses em que esse recurso não apresenta efeito suspensivo, seja por estar incluso no rol do artigo 520 do CPC ou por encontrar disposição semelhante na legislação esparsa ou no próprio código que a lei preveja apenas o efeito devolutivo para a apelação, como por exemplo, nas hipóteses do CPC 1.184, LI, 58, V, LMS 12 parágrafo único, LPBPS 130 etc.

 

O efetivo cumprimento da decisão, nos casos em que a apelação não tem efeito suspensivo, poderá acarretar risco de lesão grave ou de difícil reparação para a parte sucumbente. Para dar uma resposta a essa situação bastante delicada, estendeu a esses casos a possibilidade de conceder o efeito suspensivo a decisão.

 

O efeito suspensivo excepcional poderá ser conferido pelo o juiz de primeiro grau ou pelo relator, sempre que verificadas as circunstâncias mencionadas no caput do artigo 558 do CPC.

 

Nota-se, porém, o surgimento de uma problemática no mecanismo de suspensão da decisão quando se tratar de recurso de apelação, haja vista que como bem se sabe, a apelação é interposta perante o juízo a quo, subindo para o juízo ad quem apenas após a resposta do apelado.

 

Isto significa, que entre o seu recebimento, resposta (contra-razões), remessa ao tribunal, distribuição e vista ao relator para concessão do efeito suspensivo, ocorre um lapso temporal significativo, capaz de resultar lesão grave e de difícil reparação.

 

Neste caso, abre-se, em tese, a oportunidade da propositura do mandado de segurança para suprir a crise de eficácia, senão fosse o tratamento dado pela doutrina a seguir exposto, o que afasta a necessidade de impetração do remédio constitucional.

 

A primeira solução, diz respeito à possibilidade do pedido, devidamente instruído e acompanhado da comprovação da interposição do recurso e do seu preparo, ser encaminhado diretamente ao tribunal, a fim de que o relator sorteado delibere sobre o pedido de suspensão da medida apelada. Solução esta mais adequada, em razão de não contrariar o texto do dispositivo legal e permitir o tratamento da questão diretamente pelo tribunal competente para conhecer do recurso.

 

A outra solução, seria submeter a questão à apreciação do juízo a quo. Todavia, tal alternativa, pode cominar em solução parcial do problema, se a decisão for denegativa, indeferindo o pedido de suspensão do ato, situação em que o problema persistirá.

 

De uma maneira ou de outra, de acordo com o sinteticamente demonstrado, fica definitivamente afastada a necessidade de utilização do mandado de segurança para obtenção do efeito suspensivo na apelação, o qual poderá ser obtido por meio de agravo de instrumento.

 

Há de ser destacadas, também, outras hipóteses passíveis de ser atacadas por mandado de segurança, além das duas acima mencionadas: nos casos de agravo regimental ou interno, carentes de efeitos suspensivos; nos casos em que a lei federal estabeleça irrecorribilidade, mas o ato venha a causar prejuízo à parte, a qual tenha sido negada pelo relator e pela via de agravo regimental; mandado de segurança impetrado por terceiro para defesa de direitos de alguma forma afetados por ato judicial.

 

 Enfim, em todos os casos mencionados e nos demais que o caso concreto apontar, o mandado de segurança coloca-se como medida cujo cabimento há de ser cogitado para a garantia de uma adequada prestação jurisdicional ao litigante, colocando-se a salvo de risco de lesões irreparáveis ou de difícil reparação aos seus direitos[13], não equacionados adequadamente pelas vias processuais ordinárias.

 

Muito controvertida é a temática referente à possibilidade ou não de impetração do mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado.

 

A Súmula 268 do STF estabelece que “não cabe mandado de segurança contra decisão transitada em julgado”.

 

Tal qual referida Súmula 267 do STF, a Súmula 268 vem sendo alvo de fortes questionamentos pela doutrina e pela jurisprudência, pois há situações concretas que não encontram outro remédio para a satisfação da tutela jurisdicional senão a impetração do mandado de segurança.

 

Entende-se, por coisa julgada, o momento processual depois de ultrapassada a fase recursal, quer porque não recorreu, quer porque o recurso não foi conhecido por intempestividade, quer porque foram esgotados todos os meios recursais, a sentença transitada em julgado.

 

A referida Súmula 268 do STF deve ser entendida em sentido amplo, remetendo a todas as decisões em relação as quais operou-se o efeito preclusivo.

 

Ademais, a coisa julgada tem caráter relativo, em razão da intensidade de atuação para o Poder Judiciário em relação aos Poderes Legislativo e Executivo, uma vez que perde a sua eficácia mediante a ação rescisória.

 

Parcela da doutrina e jurisprudência têm reconhecido a possibilidade do uso do mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado, em situações de extrema gravidade, nas quais a rescisória não se mostre em remédio efetivo, seja pela ineficácia ou inadequação, para preservar o direito do impetrante.[14]

 

Para Kazuo Watanabe:

 

“a admissão, em caráter excepcional, do mandado de segurança contra sentença transitada em julgado não repugna à consciência jurídica e tampouco contraria o nosso ordenamento jurídico.”[15]

 

E conclui, apresentando a seguinte justificativa:

 

“O próprio legislador, à consideração de que, em certos casos, ‘a natureza do vício causador da injustiça é de tal ordem, que apresenta inconveniente maior do que o da instabilidade de julgado’, criou o remédio especial da ação rescisória”.[16]

 

Vale dizer que, o cabimento dessa medida não é regra, devendo, portanto, ser utilizada excepcionalmente em determinadas situações de evidente direito da parte e preclusão por não interposição de recurso cabíveis, que passaremos a comentar a seguir.

 

Em relação a terceiros, o mandado de segurança se presta para evitar a ilegal extensão de efeitos da sentença sobre quem não foi parte da lide, embora o remédio constitucional não tenha o condão de rescindir o julgado, acaba por incidir no âmbito de sua aplicabilidade, limitando o entendimento e a extensão da Súmula 268.

 

Outra hipótese de cabimento do mandado de segurança em face da coisa julgada refere-se aos casos de julgados nulos de pleno direito.

 

É o entendimento de Helly Lopes Meirelles sobre o assunto:

 

“inadmissível é, entretanto, o mandado de segurança contra a coisa julgada (STF, Súmula 268), só destrutível por ação rescisória, a menos que o julgado seja substancialmente inexistente ou nulo de pleno direito, ou não alcance o impetrante nos seus pretendidos efeitos.”[17]

 

Vejamos agora, algumas ementas a título de exemplo, que demonstram situações que se mostra necessária a impetração do mandado de segurança em face de decisão transitada em julgado:

 

“Mandado de segurança. Ato judicial. Réu que não foi citado regularmente. Sentença proferida inválida. Inexistência, portanto, de coisa julgada. Cabimento do mandamus. Ofensa ao direito líquido e certo. Presença dos requisitos fumus boni iuris e periculum in mora. Ordem concedida. Declarações de votos.”[18]

 

“Mandado de segurança. Ato judicial transitado em julgado. Cabimento excepcional. Decisão teratológica, violadora de direito líquido e certo e causadora de dano irreparável. Contestação tempestiva não juntada nos autos por desídia do cartório. Anulação da sentença, com determinação do prosseguimento do processo após sua juntada e apreciação”.[19]

 

Como bem vimos, a coisa julgada sana a grande parte dos vícios processuais, de modo que admissibilidade do writ fica restrita às hipóteses de vícios maiores que sobrevivem à coisa julgada, que são os que ensejam a propositura da ação rescisória, e assim mesmo desde que compostos os demais pressupostos específicos, que são a lesão de direito líquido e certo por ato ilegal ou abuso de poder, apurável sem dilação probatória e a irreparabilidade de dano.

 

Não obstante o valioso ensinamento de Kazuo Watanabe e Teresa Arruda Alvim Pinto, parte majoritária da doutrina e da jurisprudência, não admitem a possibilidade da impetração do mandado de segurança contra coisa julgada.

 

Inúmeros são os fundamentos apontados, em especial o Enunciado 268 da Súmula do STF, segundo o qual “não cabe mandado de segurança contra decisão judicial transitado em julgado”.

 

Ademais, afirmam que a decisão judicial transitada em julgado se impõe ao respeito de todos e só pode ser alterada excepcionalmente, por ação rescisória.

 

Castro Nunes assevera, ainda, que a admissibilidade do writ não vai a ponto de alcançar a coisa julgada, porque, se admitindo, se transformará em recurso rescisório, sucedâneo da ação.[20]

 

No entanto, Luiz Orione Neto, preconiza como principal pressuposto para impedimento do uso do mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado o fato de existir instrumento dotado pelo sistema processual adequado e idôneo a evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação, denominação de ação cautelar inominada com pedido de liminar de efeito suspensivo.

 

Efetivamente, tanto o Regimento Interno do STJ e do STF, prevêem a possibilidade de conferir efeito suspensivo aos recursos extraordinário, especial e ordinário.

 

Convém, neta oportunidade, destacar o julgado subscrito pelo Ministro Vicente Cernicchiaro:

 

“Recurso especial – Constitucional – Previdenciário – Coisa julgada – Fraude – a coisa julgada é resguardada pela Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXVI). A execução, por seu turno, instrumentaliza satisfação obtida pelo Exeqüente. O judiciário não se restringe, na prestação jurisdicional, a mero chancelar de petições, ou encara a lei com símbolo, vazio de conteúdo. Cumpre-lhe fiscalizar o processo, a fim de emitir provimento justo. Não pode pactuar com atitudes indignas, espúrias, fraudulentas. Cumpre impedir o locupletamento ilícito, ainda que o fato seja conhecido após a coisa julgada. O princípio que a informa deve ser conectado com a lealdade processual. Constatada a trapaça, durante a liquidação, cumpre expedir medida cautelar, suspendendo-o por prazo certo. Neste período, deverá sr proposta ação rescisória para que, também com a garantia constitucional, seja esclarecido fato tão grave”.[21]

 

4. Conclusão

 

A impetração do mandado de segurança contra ato judicial será reservada para aqueles casos em que, efetivamente, sejam descartadas todas as possibilidades de eficácia concedidas pelo sistema processual vigente.

 

Seja qual for a hipótese de impetração contra ato judicial, é necessário que a jurisprudência tenha uma postura absolutamente rigorosa quanto à verificação da excepcionalidade das situações e da inevitabilidade de apreciação da matéria no âmbito do remédio heróico, não devendo ser permitida a sua desnaturalização e banalização.

 

Referências Bibliográficas:

 

BUENO, Cássio Scarpinella; ALVIM, Eduardo Arruda; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polêmicos e atuais ao mandado de segurança; 51 anos depois. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 

BUENO, Cássio Scarpinella. Liminar em mandado de segurança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

 

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. São Paulo: Malheiros, 1995.

 

MONIZ DE ARAGÃO, E.D. Mandado de segurança contra ato judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

 

NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JÚNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 1996.

 

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Mandado de segurança contra ato judicial. Revista do Advogado. 21/97. n. 64, out. 2001.

 

 

 

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[1] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Mandado de segurança contra ato judicial. Revista do Advogado. 21/97. n. 64, out. 2001.

 

[2] BUENO, Cássio Scarpinella; ALVIM, Eduardo Arruda; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. Cit., p. 122.

 

[3] STF, RTJ 6/189, 70/504, 71/876, 74/473.

 

[4] Controle jurisdicional (princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional no sistema jurídico brasileiro) e mandado de segurança contra atos judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 105.

 

[5] MONIZ DE ARAGÃO, E.D. Mandado de segurança contra ato judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. T 382/8.

 

[6] NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY, Nelson. Op. cit., p. 1150.

 

[7] RTJ 70/512. Destacando a importância dessa decisão, v. WATANABE, op. cit., p. 93/-97, também, BARBI, Op. cit., Mandado de segurança contra ato judicial, p. 26.

 

[8] RTJ 70/515; no mesmo sentido RE 69.974-RJ, RTJ 72/743-750.

 

[9] TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 361.

 

[10] NERY JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 1168.

 

[11] TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Op. cit., p. 347.

 

[12] Cogitando essa possibilidade FERREIRA, op. cit., p. 257; FERREIRA, Willian Santos. Breves reflexões acerca da tutela antecipada no âmbito recursal. In: ARRUDA ALVIM, Eduardo Pellegrini; NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 680-684; modificando posicionamento anteriormente assumido, v. WAMBIER, op. cit., Os agravos...., cit., p. 267-276.

 

[13] ZAVASCKI, Teori Albino, Op. cit., p. 182-183.

 

[14] MONIZ DE ARAGÃO, E.D. Op. cit., p. 21.

 

[15] Controle jurisdiccional. Op. cit., p. 105/106.

 

[16] A semelhante conclusão chegou J.J. Calmon de Passos: “Também a coisa julgada formal ou material não prejudica o cabimento do mandamus” (cf. Estudos sobre o mandado de segurança, cit., p. 108, conclusão “i”).

 

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 37.

 

[18] RT 697/189.

 

[19] RT 628/178.

 

[20] Cf. Mandado de segurança. 5 ed. p. 126.

 

[21] Edcl no Resp 45.174-4-RJ, STJ, 6a. T1, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU 26.09.1994, p. 25.670.