As novíssimas reformas do Código de Processo Civil:
um novo olhar, um novo horizonte
Resumo: As novas reformas efetuadas no limiar do Código de Processo po Civil reforçam os reclames da doutrina por um processo mais célere e econômico, ou seja, por um processo sincrético. Para isso, pontuar-se-ão as principais alterações, trazendo a lume algumas dúvidas e interpretações acerca das regras em questão.
Descritores: Reforma, processo civil, alterações, sincretismo, Leis n. 11.232/05, n. 11.276, n. 11.277.
1 INTRODUÇÃO
As novas reformas do Código de Processo Civil atendem aos reclames dos juristas no sentido de proporcionar um processo mais célere e econômico. Sem sombra de dúvida, o nosso Código de Processo Civil (CPC) foi "vestindo outras roupas" desde a sua edição, em 1973, como se acompanhasse as "tendências da moda" lançadas pelos juristas e pela sociedade em geral.
Se a massificação das coisas, que este novo milênio imprime, alavanca condutas rápidas e eficazes, o processo, como sucessão de atos que é (Santos, 1994), não podia ficar de fora deste padrão lançado. O Código de Processo Civil passou, essencialmente, a partir da década de 90, a sofrer um sistemático "recorte" legislativo, a ponto de ser totalmente remodelado em relação ao projeto original.
Nesse ponto, cabe referir que o Código Civil ficou quase um século à míngua de mudanças nodais em seu texto, com sua quase que total falta de adaptação (imprescindível) à realidade, ganhando somente "estacas de apoio" por legislação correlata. Era como se, por meio de leis esparsas (1), o Estado desse às regras disciplinadoras das relações privadas de direito material, "vitaminas" a fim de que conseguissem se arrastar por meio das relações sociais modernas. Daí, no início desse milênio, o velho Código Civil de 1916 foi radicalmente refeito, sendo substituído por outro, que pretende refletir a sociedade presente.
Já o Código de Processo Civil tomou, nas últimas décadas, outro rumo na adaptação de seu texto: em vez de ser corrigido por um substitutivo, provocando uma ruptura (radical) no sistema de leis, passou a ser "lapidado", aresta por aresta, por leis que modificavam o seu conteúdo. Assim, suas mudanças foram paulatinas, uma após outra, tornando o CPC, por fim, um código totalmente diferente.
Somente o tempo dirá qual das duas opções legislativas foi a acertada, ou se ambas foram corretas/erradas. O certo é que, mais uma vez, o CPC tem seu texto modificado: são as Leis n. 11.232/05, n. 11.276, n. 11.277. Tais regras, por mais uma oportunidade, buscam dar às partes, especialmente ao credor, mecanismos de solução rápida e econômica à lide. Então, entremos na onda: "Abaixo a burocracia!".
Na linha do Código Civil de 2002, o CPC procurou ofertar ferramentas na busca pelo adimplemento (Costa, 2000). Assim, mediante o diálogo de fontes (Marques, 1998), há uma melhor interface entre os dois diplomas. Parece-me que ambos "conversam" melhor, "falam a mesma língua".
Daí porque o tão famoso "bilhete de ingresso" do Sr. Carnelutti perdeu, quase que por completo (para não dizer "por completo"), sua essência, sua razão de ser. O processo civil brasileiro viu-se forçado a redimensionar seus vetores hermenêuticos na busca de novos paradigmas (2).
Mas o que é essa expressão "sincretismo processual" que tanto versam os juristas sobre a matéria? Em termos bem resumidos, sincretismo processual é a técnica legislativa e judiciária de apertar, simultaneamente em um mesmo processo, execução e cognição. Mais ou menos assim: no momento em que se conhece, se executa. Vai-se conhecendo, vai-se executando.
Joel Dias Figueira Júnior, comentando a Lei n. 10.444/02, que também traz medidas sincréticas, leciona que:
[...] o processo de conhecimento clássico não compadece, de regra, com as ações sincréticas, que são justamente aquelas que admitem, simultaneamente, cognição e execução, isto é, à medida que o juiz vai conhecendo e, de acordo com as necessidades delineadas pela relação de direito material apresentada e a tutela perseguida pelo autor, vai também executando (satisfazendo) provisoriamente, fulcrado em juízo de verossimilhança ou probabilidade. Significa dizer que as ações sincréticas não apresentam a dicotomia entre conhecimento e executividade, verificando-se a satisfação perseguida pelo jurisdicionado numa única relação jurídico-processual, onde a decisão interlocutória de mérito (provisória) ou a sentença de procedência do pedido (definitiva) serão auto-exeqüíveis. (2002, p. 03)
Nesse sentido vieram as Leis n. 11.232, 11.276 e 11.277, todas de 2005. Passa-se, pois, às suas análises.
2 LEI N. 11.232/05 – ADEUS AO "BILHETE DE INGRESSO"
A execução "ex intervalo" dos títulos judiciais não mais existe. Hoje, o referido procedimento foi convertido em um incidente, que denominaremos de "incidente de cumprimento de sentença". Ou seja, é como se a execução de um título judicial fosse apenas mais uma fase do procedimento cognitivo, suplantando-se todos os atos inaugurais – distribuição, autuação, citação etc. – de um processo que se instaura. Isso permite que as atividades burocráticas dos cartórios não obstacularizem a rapidez necessária à execução de uma sentença cível. Por outro lado, alivia as atividades forenses destes "transtornos", a fim de que os cartórios se dediquem a outros serviços.
Para que isso fosse feito, o legislador remodelou não só o processo de execução para entrega de soma (3), mas outros institutos correlatos. Passemos à análise de cada artigo alterado.
O primeiro deles é o § 1o do art. 162 do CPC, que passa a ter a seguinte redação: "§ 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei." Foi subtraída a expressão original que afirma que a sentença é o "ato pelo qual o juiz põe termo ao processo". Isso porque o processo não acaba mais com a sentença. Hoje, ao reverso: continua com o incidente de execução de sentença.
Aliás, nesse ponto cabe fazer uma diferenciação: a atividade judiciária, ou seja, o ofício de "dizer o direito", acaba com a sentença (4). Mas o processo não termina com a sentença: após sua publicação e trânsito em julgado, tomam rumo as fases liquidação e/ou execução. A melhor interpretação do dispositivo em questão é esta: a sentença acaba com o ofício de julgar, não com o processo.
Em uma visão um tanto exagerada das coisas, poder-se-ia dizer que a sentença transitada em julgado toma condão de "decisão interlocutória", uma vez que finda com uma fase do processo. Ou seja, é um ato processual decisório que abre ensejo a inaugurar outras duas possíveis fases: a liquidação e a execução. A sentença, hoje, repito, em um exagero, poderia ser tida como uma decisão interlocutória de mérito, uma vez que não mais põe fim ao processo. Poder-se-ia até compara-la com o saneamento: que decide questões importantes, inclusive de mérito – como, por exemplo, quando não acolhe alegação de decadência ou prescrição –, dando ensejo a outras fases previstas no rito ordinário.
Também, fica evidente a ratificação da opção feita, anteriormente, por Alfredo Buzaid, redator do projeto original do CPC, no sentido de que, para este artigo, importam os efeitos da sentença, não seu conteúdo. Esse seria, sem sombra de dúvidas, o "telos", a finalidade da regra.
Em uma interpretação sistêmica (de completude), a diferença entre "fim do processo" e "fim da atividade cognitiva" também é percebida na alteração da cabeça do art. 463, onde se retirarou a expressão "[...] o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional", tendo ficado com a seguinte redação: ""Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: [...]".
Quanto às cabeças dos arts. 267 e 269, acredita-se que o legislador foi extremamente infeliz, não evitando incongruências. No art. 267, "caput", hoje se lê: "Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito." Realmente, em tese o raciocínio estaria correto: haverá extinção do processo caso o juiz não adentre no mérito, uma vez que, ao que tudo indica, não haverá possibilidade de procedimento incidental para executar possível sentença, pois sequer título criar-se-ia. Daí, o processo teria fim único: extinguir-se – o que não ocorreria se entrasse no mérito e, por conseqüência, gerasse título. Isso permitiria o incidente de execução de sentença e, por conseguinte, o processo não seria extinto. Então, percebe-se porque o "caput" do art. 269 passou a ter uma redação diferente da alteração feita no "caput" do art. 267: "Art. 269. Haverá resolução de mérito". Antes, ambos os artigos tinham similar redação, porque ambos extinguiam o processo (com ou sem julgamento do mérito). Hoje, por sua vez, o legislador quis que somente a extinção do processo sem julgamento do mérito extinguisse o processo, porque, em tese, não geraria título.
Mas o legislador foi infeliz nessa construção, pois a extinção do processo sem julgamento do mérito pode acarretar sim a formação de título, o que não comportaria a extinção do processo, mas o incidente de execução de sentença É o caso, por exemplo, do requerido-vencedor querer cobrar honorários pela extinção sem julgamento do mérito de demanda contra ele intentada. Segundo art. 24, § 1º, da Lei n. 8.906/94: "A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier." Em suma: o demandado obteve, por exemplo, sentença transitada em julgado extinguindo o feito sem entrar no mérito, o que lhe permite cobrar honorários por conta da sucumbência do autor, pretensão que pode ser deduzida nos mesmos autos. Tal pretensão, sem sombra de dúvida, seguirá as novas regras do incidente de execução e liquidação de sentença.
Daí, conclui-se, sem maior esforço, que nem todos os casos de extinção do processo sem julgamento do mérito acarretarão a extinção do processo.
Na mesma linha de raciocínio, nem todos os casos do art. 269 do CPC deixarão de extinguir o processo, mesmo obtendo-se sentença de mérito. Há casos nítidos em que não se terá o incidente de execução de sentença – por não se ter construído um título – e que, por conseqüência, se permitirá a extinção do processo. É o caso de o juiz proclamar a extinção do processo (com julgamento de mérito), por conta do reconhecimento de prescrição ou decadência do direito do autor (inciso IV). Não há título, nesse caso; não há incidente; há, sim, extinção do processo – contra o que prega a cabeça do art. 269 do CPC. Da mesma forma, as partes podem transigir (inciso III) no sentido de que o processo acabe – extinga – estando ambas plenamente quitadas em qualquer pretensão acerca do litígio. Haverá outra possibilidade que não a extinção do processo? Não, por conta de que não há título a gerar o incidente que impediria a extinção. E "[...] quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação." (inciso V)? Há possibilidade outra que não a extinção do processo? Entende-se que não.
O art. 466 ganhou novos companheiros, os art. 466-A ao art. 466-C. Todos eles esforçam-se a dar às pretensões de declaração de vontade dos contratos um caráter executivo "lato sensu". Em verdade, ficou mais bem sistematizado o trato da matéria.
Interessante notar que o art. 466-C traz ao Código de Processo Civil a regra de direito material da exceção do contrato não cumprido. "Art. 466-C. Tratando-se de contrato que tenha por objeto a transferência da propriedade de coisa determinada, ou de outro direito, a ação não será acolhida se a parte que a intentou não cumprir a sua prestação, nem a oferecer, nos casos e formas legais, salvo se ainda não exigível." (5) Não é incomum que ambos os códigos promovam esta interface, basta ver o capítulo inteiro que o Código Civil reservou às provas, matéria que, em regra, era relegada somente ao direito processual.
A reforma seguinte produz a mais substancial mudança no cenário em questão: retifica o procedimento de liquidação e execução de sentença, trazendo-os do livro das execuções para o Capítulo IX ("Da liquidação de sentença"), do Título VIII ("Do procedimento ordinário"), todos do CPC. Para isso, o legislador revogou todos os dispositivos que tratam da matéria de execução de título judicial, os quais permaneciam no limiar do livro que versa sobre tal procedimento. Este, hoje, somente se presta aos títulos EXTRAjudiciais.
Assim, conclui-se que a execução de sentença tornou-se mais uma fase do procedimento ordinário, tal qual as fases de postulação, saneamento, instrução, julgamento e liquidação. O procedimento executivo de título judicial virou um apêndice do processo cognitivo. Não há mais separação entre os dois, fazendo aquele, parte deste.
O mesmo entendimento se estende à liquidação de sentença. Foram revogados os arts. 603 a 611 do CPC, que faziam parte do processo de execução e disciplinavam a matéria. O legislador trouxe este conteúdo ao art. 475, pertencente ao procedimento ordinário (de conhecimento). Assim, hoje não há mais dúvidas de que a liquidação de sentença e a execução de sentença são partes do processo de conhecimento.
Alteração interessante encontra-se no § 2o do art. 475-A: "A liquidação poderá ser requerida na pendência de recurso, processando-se em autos apartados, no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com cópias das peças processuais pertinentes." Ou seja, hoje a liquidação de uma sentença não precisa esperar o transito em julgado. Este requisito deixou de ser condição de passagem àquela.
Mas cabe pontuar nossa posição sobre a matéria: discutir-se-á, com convicção, se é possível a liquidação da sentença antes do trânsito em julgado caso haja recurso com efeito suspensivo. Poder-se-ia alegar que a permanência do efeito suspensivo impediria que a decisão produzisse, desde já, resultados e, por conta disso, não se teria franco acesso à fase da liquidação. De mais a mais, seguindo essa linha de pensamento, caso o recurso pertinente seja recebido no duplo efeito, a execução provisória seria inviável e, em comparação, a liquidação de sentença também.
Acredita-se que esta não é a melhor solução para o caso. As reformas do CPC vieram a desburocratizar o sistema processual. Esse é o fim maior das normas em questão. Colocar obstáculos onde a lei não o fez, seria proceder a uma interpretação extensiva na contra-mão do teleologismo da regra. Seria dizer não só o que o legislador não disse, mas o que é pior, dizer contrariamente ao que ele disse.
A liquidação de sentença no limiar do julgamento de eventual recurso, nesse sentido, cumpre o ao que a doutrina processual reclama: celeridade e sincretismo. De mais a mais, qual seria o prejuízo ao recorrente no tocante à eventual liquidação de sentença enquanto se discute o mérito do recurso? Nenhum! Porque não há atos de força quaisquer no patrimônio ou pessoa do recorrente. Somente proceder-se-á ao "quantum debeatur", o que congrega mera discussão processual.
Avanço mais: eventual reforma na sentença por parte do Tribunal que está a apreciar o recurso (por exemplo: reduzindo o quanto se deve) permite que o autor da liquidação apenas emende a inicial da petição do procedimento que corre em apartado. Daí, não há prejuízo nenhum nesse sentido.
O § 3o do referido artigo afirma que não há possibilidade de o juiz prolatar sentença ilíquida quando se discute, por meio do rito sumário, pretensão indenizatória advinda de acidente de trânsito ou seguro acerca desse acidente. Essa regra implica ter em mente que ao autor da ação não cabe, quase que em regra, poder formular pedido genérico quando se discute essas matérias, uma vez que o princípio da correlação (ou da demanda) – ver Portanova (1999) – infirma que a sentença deve voltar-se aos limites do pedido. Assim, salvo no caso do autor afirmar que o valor preciso da pretensão será descoberto no liminar da instrução, não cabe formular pedido genérico, podendo o magistrado, inclusive, determinar que o demandante emende a inicial, sob pena de extinção.
E quando a ação corre pelo rito ordinário? De se ver que o art. 475-A, § 3o, do CPC faz remição expressa ao art. 275, que trata do rito sumário. Nesse compasso, entende-se que, quando a matéria acerca de indenização por acidente de trânsito ou seguro incidente sobe este infortúnio correrem pelo rito ordinário, não há que se falar, necessariamente, em sentença líquida. Isso porque, cada rito possui suas peculiaridades, e o legislador foi específico em restringir o alcance da regra ao rito ordinário. Até porque, as regras de rito são de ordem pública (Silva, 1998), o que implica a certeza de que a hermenêutica nesse sentido corre por vias estreitas. Do exposto, consoante a interpretação da referida regra, depreende-se insofismável ressaltar a vedação quanto ao critério da exegese extensiva, mormente no que tange à norma processual restritiva de direito, conforme o sempre oportuno magistério de Carlos Maximiliano (1997, p. 223).
Art. 475-B. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo.
§ 1o Quando a elaboração da memória do cálculo depender de dados existentes em poder do devedor ou de terceiro, o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-los, fixando prazo de até trinta dias para o cumprimento da diligência.
§ 2o Se os dados não forem, injustificadamente, apresentados pelo devedor, reputar-se-ão corretos os cálculos apresentados pelo credor, e, se não o forem pelo terceiro, configurar-se-á a situação prevista no art. 362.
As regras em questão trazem os institutos da exibição de documento (arts. 355 e ss. do CPC) para a liquidação de sentença: por exemplo, a presunção de veracidade quando o requerido se nega a exibir os cálculos; quando as informações estiverem em poder de terceiro e este não as exiba sem motivo justo, o juiz pode valer-se de medidas coercitivas (como por exemplo: busca a apreensão e multa periódica) para tal mister.
Já o § 4o do mesmo artigo refere que: "Se o credor não concordar com os cálculos feitos nos termos do § 3o deste artigo, far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador." Ou seja, caso o devedor não concorde com o cálculo, a execução processar-se-á pelo valor que o credor julga correto, afinal "[...] realiza-se a execução no interesse do credor" – art. 612 do CPC. De outra feita, a penhora será procedida com base no valor encontrado pelo contador, uma vez que a execução se faz: "[...] pelo modo menos gravoso para o devedor." – art. 620 do CPC. Tais regras não discreparam do texto antigo do CPC; somente mudaram de lugar.
Segundo o art. 475-C, há três casos em que é possível a liquidação por arbitramento: a) quando determinado por sentença; b) quando as partes assim acordarem; c) quando o objeto posto em causa exigir;
Da decisão do procedimento liquidação, cabe o recurso de agravo de instrumento. Reviravolta: não é mais o recurso apelação que se maneja para atacar a decisão final do "processo" de liquidação de sentença, que nem processo mais é (6). Isso faz crer que a liquidação, em qualquer de suas modalidades, é fase do processo de conhecimento. Deixa de ser um verdadeiro processo autônomo, como antes, para ser acoplada a uma etapa do procedimento comum.
" Art. 475-I. O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo.". Esta regra é interessante, uma vez que todos os institutos da tutela específica (também chamada de inibitória) estão atrelados ao procedimento de execução para entrega de soma, o que faz notar um íntimo diálogo deste instituto com inúmeros outros do processo civil.
A possibilidade de multa periódica, ou outra medida que garanta o sucesso do provimento, enfim, tudo pode ser trazido no contesto da execução de sentença de quantia certa. Veja interessante exemplo: o devedor nega-se a pagar; pode o juiz fixar multa periódica para forçar o devedor a adimplir com o devido. Assim, uma dívida de valor módico pode transformar-se em assombrosa quantia, graças à relutância do devedor.
Ficam as seguintes perguntas a serem respondidas pela doutrina e jurisprudência: será que a possibilidade de multa periódica por atraso no cumprimento das medidas pode exceder o patamar de 2% (dois por cento) da cláusula penal prevista no Código do Consumidor – art. 52, § 1º, do CDC (7)? Será que a multa periódica que é possível aplicar pode exceder o patamar previsto no art. 412 do CC (8)? Ficam "no ar" as instigações....
O § 2º do referido dispositivo traz interessante comando permissivo: pode o autor da ação execução em autos apartados e liquidação da sentença quando esta tiver, simultaneamente, parte líquida e ilíquida. Talvez esse seja o único caso de execução de decisão judicial em autos apartados.
Por falar em multa, o CPC trouxe uma cláusula penal para o caso de não pagamento do decidido em sentença: o art. 475-J afirma que: "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento [...]". Poder-se-ia questionar se essa multa poderia ser cumulada com eventual cláusula penal prevista em negócio jurídico ou em lei. A resposta é simples: pode! Primeiramente tem-se uma pretensão que, em um determinado momento, passa a ser exigível. Daí, nasce ao devedor o dever de honrar com o acordado – ver Diniz (1988) e Monteiro (1987). Caso este frustre o seu dever, há uma violação da obrigação, nascendo, portanto, a ação de direito material, que nada mais é do que a violação de um dever exigível. Como efeito dessa violação, surge, igualmente, o direito de aplicar cláusula penal eventualmente incidente. Isso tudo se processa no plano do direito material, que não pode ser confundido com o plano de direito processual, por lógico que seja.
No plano de direito processual, o devedor, ainda inadimplente, é citado para pagar quantia devida. E, por uma segunda oportunidade, frustra o pagamento, sendo merecedor de uma possível reprimenda ora incidente. Ou seja: são duas pretensões violadas: a de direito material e a de direito processual, as quais não se confundem. Então, considera-se plenamente possível a incidência de ambas as multas sobre a mesma dívida inadimplida – ver, nesse sentido, Pontes (1976).
Somente a título de ilustração, pago parte da dívida, a Lei n. 11.232/05 (art. 475-J, §4o) manda que a multa seja diminuída proporcionalmente ao valor (parcial) alcançado.
Quanto à esse ponto, ainda pende intrigante situação: é possível a aplicação da cláusula penal processual sobre a possível cláusula penal material? Em exemplo: "A" faz negócio jurídico com "B", tratado que não se enquadra em um título executivo extrajudicial, firmando que deve $ 1.000,00. Caso "A" não pague em data determinada tal quantia, incidirá multa – cláusula penal material – de 10% (dez por cento) sobre o montante devido. O devedor queda-se inadimplente, motivo que força "B" a propor ação judicial cobrando a quantia de $ 1.100,00 = $ 1.000,00 da quantia devida + $ 100,00 referente aos 10% (dez por cento) da multa prevista – abstrai-se, aqui, a incidência de correção monetária e juros moratórios. Após o trânsito em julgado da referida ação, que é tida como procedente, o credor requer ao juízo seja inaugurado incidente de execução de título judicial, intimando-se o devedor a pagar em 15 dias. Este, pela segunda vez, queda-se inerte.
Questiona-se: a multa processual incidirá sobre o débito (no caso: $ 1.000,00)? Sobre o débito mais cláusula penal do negócio jurídico ($ 1.000,00 + $ 1.00,00)? Ou não incidirá pela segunda vez? Entendo que o artigo em questão foi muito preciso: "[...] sobre o montante devido", o que reclama a certeza de que é sobre tudo o que se deve: juros, correção monetária e, inclusive, eventual cláusula penal incidente, advinda do negócio jurídico entre as partes. No exemplo: incidiria sobre os $ 1.100,00 devidos.
Poderá ser levantada a seguinte questão: a incidência de cláusula pena sobre cláusula penal geraria uma espécie de "anatocismo da multa". Se para os juros isso é terminantemente vedado pela lei de usura e pelo Supremo Tribunal Federal, quiçá para o caso de multa sobre multa. Mas não há que se "confundir as bolas"; já dizia o ‘filósofo’: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Uma coisa é o adimplemento da pretensão de direito material, outra, bem diversa, é o adimplemento do comando processual – conforme explicado –, planos que, pela teoria abstrata da ação, são diversos (9). Assim, considera-se como correta a incidência dos 10% (dez por cento) previsto na regra processual sobre TODO o montante devido.
Outras inovações nesse sentido se processam no campo do procedimento do incidente. Antes, o devedor era citado para o pagamento em 24h (vinte e quatro horas). Hoje, possui 15 (quinze) dias para tanto e será intimado na pessoa do advogado. Acertado o signo "intimado", uma vez que será dada ciência ao executado de uma fase do processo de conhecimento, como visto, e não será inaugurada nova relação processual, fato que reclamaria citação. Aliás, a prática comum de dar conhecimento de certas variantes do processo já tem franca aceitação no código, como ocorre na reconvenção e na ação declaratória incidental. Tal prática é salutar à celeridade e economia processual.
Do auto de penhora (pasmem! Quem poderia imaginar isso em 1973) será intimado o advogado, ou, na sua falta, seu representante legal. Ou ainda, pessoalmente, o devedor.
Assim, o incidente de execução de sentença inicia por mero requerimento da parte. Contudo, comunga-se do entendimento de que tal requerimento deve cumprir os requisitos mínimos da petição inicial (arts. 282 e ss. do CPC) pertinentes ao instituto e demais requisitos exigidos, tudo em uma interpretação de completude, que vise a um olhar sistêmico (10) sobre o código de processo civil. Em tal requerimento, e aqui há um significativo avanço, o exeqüente, desde já, poderá indicar bens a serem objeto de penhora (§ 3º do art. 475-J).
A intimação poderá ser feita por mandado ou pelo correio. O art. 669 do CPC que trata(va) da intimação da penhora no processo de execução por quantia certa contra devedor solvente foi remodelado em 1994, permitindo, assim, segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (1997, p. 861), a intimação por outras formas que não somente por via de mandado judicial.
A ação de embargos de devedor, após a reforma, somente permanece vigente aos títulos extrajudiciais. Para os títulos judiciais foi reservada o que a lei chamou de "impugnação" (§ 1o do art. 475-J), que será feita no prazo de 15 (quinze) dias – e não mais em 10 (dez) dias, como ocorria em âmbito de embargos de devedor.
O "famoso" arquivamento administrativo que tanto era vertido na prática forense foi, no mínimo, transmudado. O que ocorria: sendo frustrada a execução, normalmente por ausência de bens a satisfazer o crédito ou pela não localização do devedor, o exeqüente, para não ter de recomeçar todo procedimento executivo novamente, com pagamento de novas custas e sujeição de repetir os prazos legais da espécie, requeria de forma renitente o arquivamento do feito. Quando o prazo de arquivamento findava, o exeqüente postulava novo prazo para pretensamente tentar localizar bens ou o devedor. E assim os processos se arrastavam pelo "infinito sem fim".
Então a nova lei permite que o processo fique parado no máximo uma vez por seis meses, quando será arquivado. Se o devedor lograr êxito em localizar bens ou o devedor, por exemplo, poderá pedir o desarquivamento do feito (§ 5º do mesmo artigo). Entende-se que este pedido fica isento de quaisquer novos pagamentos de custas judiciais ou emolumentos, por ser, segundo texto legal, uma espécie de revigoramento de um processo passado. Uma, por assim dizer, continuidade.
O art. 475-L traz as matérias que podem ser versadas na impugnação. Quase que uma repetição do art. 741 do CPC, o que a doutrina chamava de "embargos amplexivos" (Araken, 2004). A impugnação, tal quais os embargos de devedor, permanece, pois, com um corte cognitivo vertical, sendo obstacularizada a plena cognição horizontal do feito.
Nesse contexto, merece destaque o inciso III, que dispõe sobre a possibilidade de alegar a "[...] penhora incorreta ou avaliação errônea". Havia divergência na doutrina se era possível alegar tais matérias em sede embargos de devedor. Uma corrente – maciça, diga-se de passagem – afinava que estes fundamentos deveriam ser objeto de alegação somente no próprio procedimento principal de execução – ver, nesse sentido, Araken (2004) e Nery Jr. (1997). Hoje, sufragada tal discussão frente à expressividade do texto, o qual permite sua alegação no interior da impugnação ao incidente de execução de sentença.
Dispositivo interessante é o do § 2o do art. 475-L: "Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação.". Ou seja: a norma veda que o executado use da defesa baseada em excesso de execução com efeito meramente protelatório, somente para ganhar tempo.
Segundo o art. 475-M, o juiz pode atribuir efeito suspensivo à impugnação "[...] desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação." Em verdade, o efeito suspensivo, que era a regra nos embargos de devedor, passa a ser exceção, que somente existe com relevantes fundamentos. A redação do artigo em questão tem nítida simetria com o dispositivo que permite a concessão de efeito suspensivo em recurso de agravo de instrumento.
Segundo o § 2o do artigo em análise, se o efeito suspensivo for deferido, a impugnação segue nos mesmo autos; se indeferida, em autos apartados.
Avançando no estudo do tema, as reformas propõem, a todo custo, a aproximação da execução provisória para com a execução definitiva (art. 475-O, "caput"). Parece que o legislador processual civil cada vez mais quer fundir as duas.
O inciso I deste artigo reitera o entendimento da doutrina (11) no sentido de que a responsabilidade em execução provisória é de caráter objetivo, correndo por conta e risco do exeqüente.
Os atos que adentrem na propriedade do executado são permitidos quando o requerente lançar aos autos caução idônea (inciso III), que é dispensada nos casos de demandas alimentares em até 60 (sessenta) salários-mínimos (inciso I do § 2o do art. 475-O) ou "[...] nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação."
Moda que pegou em âmbito de processo civil é a possibilidade do advogado dar por autêntica as peças juntadas, responsabilidade que traz para si. Isso agiliza o andar da lide e retira custos de possíveis autenticações por funcionário público pertinente (§ 3o que remete ao art. 544, § 1o).
O art. 475-P disciplina a competência do procedimento incidental de execução de sentença.
Art. 475-P. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante:
I - os tribunais, nas causas de sua competência originária;
II - o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição;
III - o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral ou de sentença estrangeira.
Parágrafo único. No caso do inciso II do caput deste artigo, o exeqüente poderá optar pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicílio do executado, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.
Regra interessante encontra-se no parágrafo único: a fim de permitir uma maior eficácia da execução, aliada a possível celeridade, o legislador criou uma competência territorial concorrente, ao talante do credor: ele pode optar pelo domicílio do devedor, domicílio sede dos bens, ou no local onde correu o processo original – de conhecimento (que formou o título que se executa). Cabe referir que esta regra somente se aplica aos casos do inciso II, pois nos demais há regras especiais de competência; de se ver que o inciso I traz regra de competência originária e, portanto, inderrogável.
É curioso perceber que o art. 475-Q ocupou-se quase que inteiramente em deixar aos operadores jurídicos mecanismos para adimplir alimentos decorrentes de ato ilícito. Isso porque tal matéria é de difícil trato no que tange a surtir efeitos práticos necessários. Daí a boa preocupação do legislador.
Os embargos à execução por quantia certa contra devedor solvente por título judicial ficaram relegados a um único caso: "embargos à execução contra a fazenda pública". Ou seja, eventual sentença conseguida contra a fazenda pública não goza das benesses da celeridade do rito aqui exposto. Ou seja, devem ser conjugados os arts. 730 e 731 com o Capítulo II do Título III do Livro II do CPC.
Assim, o legislador aproveitou para, mais uma vez, privilegiar a Fazenda Pública em face dos particulares. O que significa dizer: o rito é célere é para as pessoas comuns, mas para a Administração Pública, quando devedora, o rito permanece nos braços da lentidão, podendo ficar com as amarras da burocracia – quanto mais moroso melhor, quanto mais demorado, mais tarde se paga....
Por fim, a lei em análise adaptou a redação do procedimento monitório, fazendo as corretas remissões que os dispositivos congregam aos institutos transformados e mudados de lugar.
3 LEI N. 11.276/05 – ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA FAZ ACADEMIA E GANHA FORÇA
A Lei n. 11.276/05 altera somente um dispositivo, mas seu curto texto não engana: provocará uma reviravolta no processo civil brasileiro. Traz a lume o art. 285-A do CPC, que diz:
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
Ou seja: o juiz pode, com esta regra, rejeitar petição inicial com base em matéria de mérito. Antes, somente era possível ao juiz proceder à rejeição peça inaugural baseado em questões processuais (12). Hoje, com base em reiterados julgamentos do juízo, pode rejeitar a petição inicial lastreado em matéria meritória.
Cumpre salientar que se valerá de várias decisões do juízo incidentes sobre a matéria posta em causa. Isso significa dizer que pode tomar por base as sentenças de outros colegas da comarca de julgam a matéria. Segundo Ada Pellegrini Grinover e outros (1993), juízo significa os limites de uma comarca, a circunscrição judiciária em que os vários juízes da matéria prestam jurisdição, podendo englobar várias cidades. Tem o signo foro como sinônimo.
Assim, é possível hoje a consolidação de uma espécie de "banca de ‘jurisprudência’" local que pode servir de fonte criadora do direito. Nunca antes, na história do direito pátrio, se conferiu tamanha força às decisões de primeiro grau, a ponto de permitir que as decisões de primeira instância possam ser paradigmas jurisprudenciais (por que não?) ao trato de certas matérias.
Não será difícil imaginar a formação de regiões de um Estado em que o pensamento jurídico é de uma forma, e outras em que o pensamento jurídico é diverso. Antes, se dizia: "Este TJ deste Estado pensa assim, aquele, assado." Hoje, além disso, ter-se-á de admitir, por força de tal regra, a seguinte premissa: "A região norte do Estado "X" pensa assim, já na leste, o pensamento é outro, e na Capital, as coisas mudam de figura." No mínimo inédito, não?...
Só que essa regra pode gerar abusos de toda ordem, especialmente nos casos em que é possível escolher uma das várias comarcas à ação. Por exemplo: um contribuinte quer discutir certa matéria tributária contra um determinado Estado-membro da Federação. Poderá fazer uso de qualquer comarca do território deste ente que melhor se adapte aos seus interesses.
Tanto nas experiências judiciais de países que seguem o modelo do "comon law", como nas experiências jurídicas dos países que seguem o modelo romano-germânico do "civil law", nunca a força do poder local dos juízes foi tamanha do que esta proposta. Se avançarmos na matéria, poderemos ter as súmulas dos juízos das varas do Foro Central de Porto Alegre, as súmulas do juízo de Lajeado/RS e, inclusive, as súmulas do juízo de Gaurama/RS. Não é nada mais do que o Poder Legislativo delegando sua competência primária de legislar ao Poder Judiciário, em um verdadeiro e autêntico "cheque em branco".
Dispõe o § 1º do referido diploma: "Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação." Assim, fica-se com uma inegável falta de igualdade processual: quando o juiz rejeitar a petição inicial com base em questões processuais, terá 48h (quarenta e oito horas) para se retratar – art. 296 do CPC (13). Quanto rejeitá-la por questões de mérito, na forma do art. 285-A do CPC, terá 5 (cinco) dias para se retratar. Faltou, aqui, sistematização dos prazos, a fim de igualá-los.
4 LEI N. 11.277/05 – MAIS MUDANÇAS NOS RECURSOS – PARA NÃO FUGIR DA REGRA
Por fim, a Lei n. 11.277/05 traz, na onda das outras reformas do CPC, mudanças em âmbito de recursos. Nenhuma das anteriores reformas deixou incólume esta parte do CPC, todas com o fito de restringir ao máximo a possibilidade de acesso aos Tribunais.
As primeiras alterações não são significativas, quase que aparelhando uma melhor redação e dando novos substratos às atividades de cartório. Como exemplo: com as inovações trazidas pela regra em questão, basta a publicação do dispositivo da decisão a fim de intimar as partes, fato que era costumeiro na prática forense (art. 506, inciso III, do CPC – nova redação).
Regra interessante é a do art. 515, § 4o: "Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação." Ou seja, aumentou-se em mais um os casos de supressão de instância; por outro lado, ganhou-se me celeridade. Diante da regra exposta, muitos entendimentos deverão ser refeitos, como é o caso da possibilidade de o Tribunal mandar sanar representação judicial (art. 13 do CPC). Antes, a jurisprudência entendia (14) que eventual defeito no instrumento de mandato somente poderia ser sanado em primeira instância (Nery, 1997). Com a nova redação dada ao art. 515, tal raciocínio deverá ser reformulado.
Como desfecho tem-se:
Art. 518 [...] § 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
§ 2º Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso."
Ou seja, o juízo de prelibação com base em súmula do STF e do STJ foi ampliado ao juízo de primeiro grau, o que antes era conferido somente ao relator ou à Câmara, à Turma, ao Grupo,..., quando do julgamento. Reforça-se, nitidamente, o poder (normativo) das súmulas do STF e STJ, na linha das disposições da Emenda Constitucional n. 45/04.
Perdeu o legislador a oportunidade ampliar essa faculdade quanto às súmulas do TSE e do TST, por exemplo, ambos, tais qual o STJ, Tribunais Superiores. Mas, acredita-se que se poderá valer da analogia para tal mister, podendo o magistrado deixar de receber o recurso baseado em súmula de qualquer Tribunal Superior.
Em derradeiro, cabe referir que os poderes de prelibação do juiz de primeiro grau são diminutos em face aos do relator: pois este, além dos casos previstos na regra supracitada, pode não conhecer de recurso com base em jurisprudência dominante ou súmula do próprio Tribunal, faculdade não estendida ao juiz de primeiro grau.
CONCLUSÃO
Cada reforma tem nítida finalidade de compelir, cada vez mais, o sincretismo processual. Muitas vezes, como foi o caso, as reformas possuem foco diminuto: voltado somente ao objeto que se propõe, perdendo a visão sistêmica, tão necessária em âmbito de reforma, o que causa atropelos e incongruências.
Mas, ao revés, os avanços que as reformas trouxeram foram inegavelmente proveitosos. E a certeza do que importa realmente está nas palavras de Sr. Francesco Carnelutti: "Certamente nossa leis processuais não são perfeitas, porém, em primeiro lugar, são bastante menos más do que se diz; em segundo lugar, ainda que fossem muito melhores, as coisas não andariam melhor, pois o defeito está, muito mais que nas leis, nos homens e nas coisas".
NOTAS
1.Como por exemplo: "Lei do Divórcio" (Lei n. 6.515/77), "Leis do Concubinato" e da "União Estável" (Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, respectivamente).
2.Paradigma, aqui, é entendido como modelo de solução.
3.Para nos valermos da expressão de Marinoni (2005).
4.Em verdade, o "jurisdicium" acaba com a decisão final transitada em julgado, que não necessariamente se perfaz por meio de sentença, mas também de acórdão, caso haja recurso das partes ou reexame necessário.
5.A teoria da exceção do contrato não cumprido afirma que os contratos são feitos para terem fiel e inteiro cumprimento; uma parte, de fato, não poderá exigir de uma outra o cumprimento da sua obrigação quando quem o está a exigir ainda não cumpriu o seu dever (Venosa, 2002).
6.Cabe referir que o inciso III do art. 520 foi revogado pelo Lei n. 11.232/05, fazendo submergir qualquer possibilidade de apelação nesse sentido, como antes previsto.
7."As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigação no seu termo não poderão ser superiores a 2% do valor da prestação."
8.Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.
9.Cabe referir que, segundo Ovídio Baptisda da Silva (1998), o CPC adotou inegavelmente a Teoria Eclética da Ação de Liebman. Mas, para o ponto específico sobre o qual se discorre, a separação dos planos processual/material, que para a teoria do autor italiano citado é relativa, passa, ao que tudo indica, para o lado absoluto, uma vez que a relatividade desta teoria somente é percebida no tocante às condições da ação, não no tocante ao ponto versado. Aliás, há quem sustente que o processo civil deveria ter adotado, como teoria correta, a abstrata. De qualquer sorte, não é o viés principal do estudo. Fica somente a citação.
10.Sobre a interpretação sistêmica (ou sistemática) do Direito, conferir obra de Juarez Freitas (1995) nesse sentido.
11.Ver Theodoro Jr. (2002) e Araken de Assis (2004).
12.Claro que o juiz poderia rejeitar a petição inicial baseado na falta evidente de uma das condições da ação que, em verdade, confundem-se com o mérito da causa (Ovídio, 1998). Mas, de qualquer sorte, deixa-se esta peculiaridade de lado para fins desse apanhado.
13."Art. 296. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de quarenta e oito horas, reformar sua decisão."
14.TJPR – AgravReg 0119399-3/01 – (21712) – Araucária – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Ruy Fernando de Oliveira – DJPR 17.06.2002; TAMG – AP 0343107-4 – (50566) – Ipanema – 7ª C.Cív. – Rel. Juiz Quintino do Prado – J. 27.09.2001)JCLT.606.
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