DL 406 68 - ICMS ISS - ILEGITIMIDADE - CRÉDITO TRIBUTÁRIO - INEXISTÊNCIA DE
CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA -
VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA .... ª VARA DA FAZENDA, CONCORDATAS DE
FALÊNCIAS DA COMARCA DE ....
.... (qualificação), pessoa jurídica de direito privado, estabelecida na Cidade
de ...., na Rua .... nº ...., por seu advogado constituído, conforme instrumento
de
mandato e demais documentos de representação, vem perante Vossa Excelência,
promover a presente anulatória de crédito tributário, e deferida em face do
ESTADO ..... ............., isto fazendo pelas seguintes razões:
RESENHA FÁTICA.
A Autora teve contra si lavrado o auto de infração nº .... em .... por Agentes
Fiscais de Rendas, da secretaria da Fazenda, cuja proposição de lançamento exige
o
pagamento de ICMS, no valor histórico de R$ ...., multa e acréscimos
regulamentares, pelo seguinte suporte-fático descrito na peça basilar:
"Através do Termo de conclusão de auditoria para conferência de estoque (xerox
anexo), ficou constatado o "desvio" de .... sacas de café tipo arábica e ....
sacas
de café tipo conilon, das dependências da empresa acima qualificada, ficando,
portanto, sujeito ao recolhimento do ICMS, na qualidade de "responsável" no
valor
de ...., incidente sobre o montante tributável de R$ ...., uma vez que na NP nº
...., determina que a pauta do café tipo conilon é de R$ ...., e arábica é de R$
....,
saca, para o dia ...."
Esta autuação, tendo como suporte-fático, como descrevem os autuantes, "desvio"
de cafés, na verdade, foram decorrentes de furto, conforme evidencia a
denúncia ofertada pelo Promotor Publico à .... Vara criminal de .... (documentos
de fls. .... Do procedimento administrativo fiscal, em cópias reprográficas),
onde
um dos principais responsáveis, era fiel depositário, nos termos da lei que rege
a atividade de armazéns gerais.
Segundo noticia a denúncia formulada pelo Promotor Público, embasada em
inquérito policial precedente (vide documentos em cópias reprográficas), o
ex-empregado da Autora, em concurso de pessoas logrou ao longo de dois anos,
furtar as quantidades de cafés descritas no referido procedimento
administrativo fiscal, vendendo a terceiros, os quais foram denunciados na ação
penal, como receptadores (art. 180, caput do CP).
Apresentada a defesa administrativa à autoridade fiscal de primeira fase
(Delegado da Receita de ....), esta houve por bem em julgar improcedente a
autuação,
conforme se pode aferir pela decisão nº .... (fls. .... do procedimento
administrativo), pelo Delegado da .... DRR de ...., com a seguinte
fundamentação:
"Na forma do item 26, parágrafo único, do art. 68 da Lei 8933/89 e face a
delegação de competência outorgada pela port. 60/69 CRE, visto e examinadas as
peças do presente processo, aprovo o relatório da IRT desta DRR, JULGANDO
IMPROCEDENTE."
Desse ato, por força de lei, recorreu o Delegado da Receita ao Conselho de
Contribuintes, que revendo a questão, houve por bem dar provimento ao recurso
ex-officio e reformar a decisão.
O "parecer" que serviu de base para reforma de decisão de primeira fase,
constante de fls. ...., uma verdadeira preciosidade, que sem fundamentar a
materialidade
de fato gerador do ICMS, sustentou a reforma e manutenção da autuação.
O Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais (fls. ....), estribou sua decisão
da seguinte forma:
"SÚMULA - ICMS - FURTO DE MERCADORIA. ENCERRAMENTO DO DIFERIMENTO. TAL SITUAÇÃO
IMPLICA NA NECESSIDADE DE
REGULARIZAÇÃO FISCAL, OU SEJA, O RECOLHIMENTO DO TRIBUTO CORRESPONDENTE. DEVE
PORÉM SER ABATIDO DO VALOR DO
IMPOSTO O MONTANTE PAGO APÓS A AUTUAÇÃO."
Reduzindo apenas o que se considerou como pago, ou seja, para R$ ...., de ICMS e
permanecendo a mesma multa.
ARMAZÉM GERAL. NÃO DETÉM A QUALIDADE DE COMERCIANTE. MERO AUXILIAR DO COMÉRCIO.
IMPOSSIBILIDADE DE SER
SUJEITO PASSIVO OU RESPONSÁVEL. ILEGITIMIDADE DE PARTE.
O sujeito passivo do ICMS, como regra geral, requer um comerciante, industrial
ou produtor (art. 1º, I, do Decreto-Lei 406/68), desta forma, armazém geral,
que apenas presta serviço de locação de espaço, não detém essa qualidade.
O decreto 1.102 de 21 de novembro de 1903 (lei reguladora dos armazéns gerais)
em seu art. 8º, § 4º, definindo o armazém geral como mero prestador de
serviço, por auxiliar do comércio (art. 35, IV do Código Comercial), está vedado
de exercer o comércio de mercadorias idênticas as que se propõe a receber em
depósito.
De forma que não pode ser considerada a Autora como sujeito passivo da obrigação
principal (art. 113, I do CTN) e ainda mais por fato ilícito que não se
constitui de uma operação relativa à circulação de mercadorias.
Não poderia também ser responsável pelo encerramento do diferimento, isto
porque, a responsabilidade tributária, atualmente, diante do Texto
Constitucional
(art. 146, III, letras "a" a "c"), não admite que lei ordinária estadual possa
definir responsáveis tributários.
Diante disso, sendo a lei estadual invocada, nessa parte, inválida e ineficaz,
pois pretende criar responsáveis tributários à margem do art. 143, em relação a
responsabilidade subsidiária, tem-se:
"... respondem solidariamente com este NOS ATOS EM QUE INTERVIEREM OU PELAS
OMISSÕES DE QUE FOREM RESPONSÁVEIS":
Todavia, esse dispositivo não arrola como responsável o armazém geral. A única
disposição que mais se aproxima seria o inicio III desse artigo:
"III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por
estes."
Então, somente havia responsabilidade, por transferência, subsidiária, quando
houver um fato gerador anterior e pertencente ao sujeito passivo principal e não
tiver este adimplida essa obrigação, no tempo e na forma.
Portanto, quem deveria ser obrigado a responder pelo encerramento do diferimento
- se fosse o fato ilícito desencadeador dessa obrigação - seriam os
depositantes, jamais a Autora.
Ora, o fisco não exigiu das depositantes (as que seriam as obrigadas
passivamente, para responder pelo encerramento do diferimento do ICMS), mas
atribuiu
diretamente à Autora, que, na qualidade de armazém geral, nunca teve a
propriedade do café furtado.
Ademais, se a exigência não é feita diretamente das depositantes, fez com que o
princípio de não-cumulatividade não fosse observado, considerando que
poderiam elas ter créditos de ICMS, em conta gráfica, para deduzir no quantum
debeatur apontado.
O crédito tributário, do ICMS, não é feito pela aplicação tão-somente da
alíquota sobre o valor da operação (no caso dos autos não existiu essa
operação), mas
devem ser considerados os créditos a serem compensados, existentes em conta
gráfica ou na incidência direta, pelas entradas.
Por isso, na forma como que preferiu o fisco fazer a autuação, tentou-se
contornar o princípio da não-cumulatividade e ainda buscar encerramento de
diferimento
por preço presumido de venda, quando deveria ser o de compra feita pelos
produtores e atribuindo à Autora, que figura como parte ilegítima para responder
a
essa obrigação.
Quem adquiriu o café de produtores foram as depositantes e se houver alguém
responsável, juridicamente, pelo encerramento do diferimento, são estas e nunca
a
Autora como mera depositária; mandatária.
Ademais, se houve furto de café, obviamente que esse café voltou ao mercado e
sendo conhecidos os comerciantes que adquiriram a res furtiva, estes são
responsáveis pela obrigação.
A ação penal instaurada e em desenvolvimento informa com precisão e segurança os
adquirentes dessa mercadoria (comerciantes de cafés), que obviamente,
como receptadores, se for devido o imposto, devem ser responsabilizados.
Parece esdrúxulo que sem o fato negocial (onde a Autora tivesse realizado
operações relativas à circulação de mercadorias), quer comprado de produtores,
onde
com muito esforço, ainda assim, não poderia ter responsabilidade pelo
encerramento do diferimento, em face do ato ilícito sofrido, tenha de responder
pelos
tributos se nenhum fato material que corresponda à hipótese de incidência para
subsumir e formar a obrigação tributária.
MÉRITO. FURTO DE MERCADORIAS,
INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR.
DIFERIMENTO. RESPONSABILIDADE PELO ENCERRAMENTO em OPERAÇÕES DETERMINADAS.
Inicialmente, tem-se de mostrar sua indignação por tal falta de conhecimento
jurídico da questão fiscal, considerando que o fato gerador do ICMS requer um
negócio mercantil (venda), onde todos aspectos desse fato gerador estejam
presentes, principalmente aquele implícito, constituído e determinado pela
Constituição
Federal, como da capacidade contribuitiva.
Comprovado por documentos que tais mercadorias foram furtadas de dentro de
armazém geral, figurando a Autora como vítima, onde inclusive foram
identificados os receptores, indiscutivelmente, jamais poderia ter ocorrido o
fato gerador ou o encerramento do diferimento, por conta e responsabilidade
desta.
O diferimento de cafés, cru em grãos, nas operações dentro do Estado do ....,
somente é encerrado, como repete o artigo 496, do Decreto 1966/92, que na
época era previsão de instrução da Secretaria da Fazenda, em três hipóteses:
I - saída para exterior;
II - saída para outro Estado;
III - saída de café torrado ou moído, de café solúvel, de café descafeinado, de
óleo, de extrato e de outros produtos originários da industrialização do café de
estabelecimento industrial que o tenha recebido como matéria prima.
Portanto, inexistindo previsão, na legislação tributária, que o furto de café em
grão cru, de armazém geral, não constitui fase de encerramento do diferimento, é
impossível ao Órgão Fiscal, considerar encerrada e exigir o recolhimento
justamente da vítima de ilícito penal (furto).
É um paradoxo, mas é verdade!
A falta de conhecimento e sensibilidade para questão fiscal é enorme.
Primeiro porque se tivesse havido o encerramento do diferimento, quem deveria
responder por esse fato seriam os receptadores e nunca a empresa vitima do
ilícito penal sofrido.
Ora, os receptadores do produto furtado foram identificados pela autoridade
policial e foram denunciados (fls. ....), que serviram de provas no próprio
procedimento fiscal.
Ademais, não existiria, para os receptadores ou até mesmo para os agentes
principais do delito de furto, a ocorrência do fato gerador, considerando que
este
traduz num negócio lícito e ainda com aqueles aspectos componíveis efetivamente
acontecidos.
Os fatos geradores, se ocorridos, foram posteriormente a venda do produto a
terceiro, contudo, nulas essas vendas, pois decorrentes de ato ilícito.
Com efeito, a Constituição Federal ao desenhar o instituto do ICMS, o fez de
forma a incidir somente nas operações relativas à circulação de mercadorias
(núcleo
material da hipótese de incidência), e o Código Tributário Nacional, ao dispor
sobre as NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO, perfeitamente
recepcionada pela atual Carta Magna, dispõe no artigo 3º o que se considera
tributo.
Portanto, se o fato gerador de uma obrigação tributária somente decorre de atos
negociais lícitos, obviamente que o furto de mercadoria não pode configurar esse
fato jurígeno.
Mesmo porque, cabe ao próprio Estado buscar e encontrar os delinqüentes e
devolver os bens à vitima, repondo o patrimônio do cidadão ao statu quo ante.
ALIOMAR BALEEIRO, esse grande tribuno que tantas luzes deu inclusive no STF, ao
doutrinar a respeito do fato gerador do ICM, ainda no alvorecer do
Código Tributário Nacional, assentou:
"De modo diverso do IVC que tinha como fato gerador especificamente um negócio
jurídico de venda ou consignação, o ICM assenta sobre qualquer operação
realizada com a mercadoria, isto é, qualquer negócio jurídico, ato jurídico
relevante ou operação econômica, que ocasione a saída. Natureza especificada da
"operação", isto é, o negócio jurídico, que motiva ou se dá causa à saída, é
irrelevante do ponto de vista fiscal. Quase sempre se prende a uma compra e
venda
mercantil ou consignação. Mas pode ser outro contrato ou ato jurídico. Não pode
ser, em nossa opinião, fato material ou físico - a simples deslocação da
mercadoria para fora do estabelecimento, permanecendo na propriedade e posse
direta do contribuinte seja para depósito, custódia, penhor, comodato ou
reparos. SE ADMITÍSSEMOS SOLUÇÃO CONTRÁRIA, ATÉ O FURTO DE MERCADORIA SERIA FATO
GERADOR DO ICM"(COMENTÁRIOS
AO CÓDIGO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO, forense 10ª , pág. 223).
Com efeito, inexistente operação jurídica ou econômica, onde haja a indicação
precisa da capacidade contributiva, considerando que o furto revela a total
ausência desse fato e informa contrariamente a perda da mesma.
Desvirtua o fato jurídico (operações relativas à circulação de mercadorias),
onde o fato gerador do ICMS é componível inclusive do aspecto dimensível (base
de
cálculo), não há como entender que se possa atribuir às mercadorias furtadas uma
base de cálculo para incidir a alíquota.
Nesse aspecto, ALFREDO AUGUSTO BECKER, na sua reputada obra, escreveu:
"Finalmente, já foi demonstrado que o único critério científico jurídico que
permite aferir a natureza jurídica do tributo é o critério da base de cálculo
(núcleo da
hipótese de incidência). O núcleo (base de cálculo) confere gênero jurídico do
tributo e os elementos adjetivos atribuem a espécie jurídica àquele gênero"
(TEORIA GERAL DO DIREITO TRIBUTÁRIO, ed. Saraiva, pág. 399).
Se o fisco exigir o ICMs sobre um ato ilícito praticado onde houve o
desapossamento da mercadoria, estar-se-ia exigindo outro tipo de imposto; um
imposto
sobre mero deslocamento físico da mercadoria e, ainda por cima, sobre uma base
de cálculo que não informa a capacidade contributiva da vítima.
O próprio fato jurídico é que vai informar a natureza jurídica do tributo; se
sobre o patrimônio; se sobre negócios mercantis ou civis.
Assim, quando se instituiu o ICMS, o legislador constituinte o fez e o conservou
como incidente sobre negócios mercantis (operações relativas à circulação de
mercadorias), mas nunca considerou que o furto pudesse traduzir em negócios.
Comumente tem-se, nas taxas, o desvirtuamento da natureza jurídica tributária,
criando-se, na verdade, impostos.
Assim, se o Código Tributário ao conceituar o tributo o faz com atos ou negócios
lícitos, jamais poder-se-ia exigir da vítima tributos, quando ocorrer furtos de
mercadorias.
De outro lado, mesmo que fosse alguém obrigado a responder pelo imposto
decorrente de mercadorias furtadas, apropriadas indevidamente ou desviadas, ou
qualquer outra denominação que se dê ao Direito Penal, a Autora não poderia ser
sujeito passivo, quer como responsável, quer como sujeito passivo.
Irrealizado pela Autora qualquer fato negocial ou jurídico, que torne ela
obrigada a responder pelo ICMS como contribuinte (não vendeu), como também como
responsável pelo encerramento do diferimento, a imputação feita é indevida, por
conseqüência, o crédito tributário constituído é nulo.
Do Pedido Final.
Por tais razões, requer a Vossa Excelência determinar a citação do Estado do
...., na pessoa de seu Procurador Geral do Estado, para contestar, e após
produzidas as provas que hão de ser deferidas, indicadas e realizadas, seja
finalmente julgada procedente a presente, declarando nulo o crédito Tributário,
por
faltar-lhe, no seu aspecto formal, Legitimidade da Autora em responder pelo
encerramento do diferimento ou até mesmo pelo fato gerador principal, por não
ter
realizado nenhum fato negocial que a dê essa condição.
Ultrapassada esta, em remota hipótese, que não aceita e nem admite a Autora e
por ela irá debater, no mérito, da mesma forma retro, reconheça a inexistência
do
fato gerador, por não caracterizar o furto de mercadoria ou outra figura
delituosa penal, como fato gerador da obrigação tributária principal de pagar
ICMS, pois
irrealizadas operações relativas à circulação de mercadorias e, em qualquer
hipótese, pela imposição do ônus de sucumbência.
Requerendo, por fim, sejam deferidas as provas periciais, testemunhais,
requisições de informações a instituições públicas, financeiras, as quais serão
indicadas e
produzidas no momento processual adequado.
Termos em que, dando-se o valor de R$ .... (....).
Pede deferimento.
...., .... de .... de ....
..................
Advogado