REVOGAÇÃO - CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - COFINS - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL - ISENÇÃO
EXMO. SR. DR. JUÍZ FEDERAL DA .... VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE ....
...., sociedade de advogados, com sede na Rua .... nº ...., em ...., inscrita no
CGC/MF sob nº ...., por seu advogado, infra-assinado, inscrito na OAB,
Seção do .... sob nº ...., vem mui respeitosamente perante Vossa Excelência
impetrar
MANDADO DE SEGURANÇA
contra ato do Sr. Delegado da Receita Federal em ...., ou quem lhe faça as vezes
no exercício da coação impugnada, requerendo a concessão de medida
liminar, pelas razões seguintes:
I - OS FATOS
1. A Impetrante, consoante se verifica dos seus atos constitutivos, (doc. ....),
é sociedade de advogados, devidamente inscrita na Ordem dos Advogados
do Brasil, Secção do .... sob nº ....
2. Até .../.../..., por estar sujeita ao que dispõe o artigo 1º do Decreto-Lei
nº 2.397/87, a ora Impetrante se encontrava excluída da imposição ao
recolhimento da Contribuição Social sobre o Faturamento (COFINS), e ainda por
força do que preceituava a Lei Complementar nº 70/91, em seu artigo
6º, inciso II:
"Art. 6º. São isentas da contribuição:
I - ....
II - as sociedades civis de que trata o art. 1º do Decreto-lei nº 2.397, de 21
de dezembro de 1987...".
3. Com o advento da Lei nº 9.430, publicada no D.O. em 30.12.1996, as sociedades
civis de prestação de serviços de profissão legalmente
regulamentada, as chamadas uniprofissionais, tais como a Impetrante, passaram a
ser obrigadas ao recolhimento da questionada contribuição, por força do
que preceitua o artigo 56 do referido diploma legal:
"Art. 56. As sociedades civis e prestação de serviços de profissão legal
regulamentada passam a contribuir para a seguridade social com base na receita
bruta da prestação de serviços, observadas as normas da Lei Complementar nº 70,
de 30 de dezembro de 1991.
Parágrafo único. Para efeito da incidência da contribuição de que trata este
artigo, serão consideradas as receitas auferidas a partir do mês de abril de
1997...".
4. Contudo, entende a Impetrante que tal exigência, baseada no que dispõe a Lei
nº 9.430/96, colide com a Constituição Federal, em razão dos
argumentos que adiante aduzidas. Não obstante, encontra-se presente o justo e
fundado receio de que a Autoridade Impetrada faça aludida exigência, em
face dos termos da legislação citada.
5. Daí a razão da presente segurança, com pedido de concessão de medida liminar,
para que a Impetrante possa deixar de cumprir a referida exigência.
II - O DIREITO
A isenção da Lei Complementar nº 70/91.
6. A Lei Complementar nº 70, de 30.12.1991, instituiu a Contribuição Social para
o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, com o propósito de
substituir a antiga contribuição ao FINSOCIAL, cujas majorações de alíquotas
foram consideradas inconstitucionais pelo Colendo Supremo Tribunal
Federal.
7. Convém ressaltar, que essa posição se deu pelo fato de que o antigo FINSOCIAL
foi recepcionado provisoriamente pela Constituição Federal de
1988, por força do artigo 56 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, até que fosse editada outra lei regulamentando a exação nos termos
do
artigo 195, inciso I, da Carta Magna. Nesse contexto, a Corte Suprema entendeu
que a Lei nº 7.689/88 não podia continuar estabelecendo a contribuição,
por conta da natureza jurídica que esta possuia frente à antiga Constituição
Federal.
8. Com isso, foi editada a Lei Complementar 70/91, que instituiu o COFINS que,
na verdade, não passa de mera reedição da antiga contribuição ao
FINSOCIAL. Ambas as exações têm idênticas características, sendo que essa
similaridade se verifica não só no que tange ao fato gerador, como também
quanto a outros aspectos essenciais para a exigência tributária, como base de
cálculo, sujeito ativo e passivo. Verifica-se, pois, que o intuito da Lei
Complementar foi o de tornar constitucional a exigência da contribuição ao
FINSOCIAL, inclusive porque o legislador fez questão de manter a isenção
desde então conferida às sociedades civis de profissões regulamentadas,
definidas no artigo 1º do Decreto-lei nº 2.327/87.
9. Observa-se, pois, que a preocupação do legislador não foi só de novamente
instituir a contribuição social incidente sobre o faturamento das empresas,
mas, também, de manter todos os efeitos da mesma forma como eram na contribuição
extinta, porém, com uma diferença: a do veículo legislativo próprio e
diferenciado da lei complementar.
10. Quando da edição do Decreto-Lei nº 2.397/87, que em seu artigo 1º definiu
que para as sociedades civis de prestação de serviços profissionais
relativos a profissão legalmente regulamentada não haveria a incidência de
imposto de renda das pessoas jurídicas a partir do exercício financeiro de 1989,
pretendeu o legislador manter para essas sociedades a exigência do PIS e do
FINSOCIAL, conforme dispunha o artigo 3º do referido dispositivo legal.
Todavia, isso não durou muito tempo. Verificando a impossibilidade da exigência
da contribuição ao FINSOCIAL, o mesmo legislador logo tratou de
isentar as sociedades uniprofissionais, por meio do Decreto-lei nº 2.429/88.
11. Essa postura veio atender a uma condição especial verificada nessas
sociedades e que deve ser levada em conta para efeito de tributação, como se
pode verificar em trecho da Exposição de Motivos nº 104, que ensejou o
Decreto-Lei nº 2.397/87, retratada pelo Coordenador Geral do sistema de
Tributação no Parecer Normativo nº 3, de 25.03.1994:
"...Os rendimentos das sociedades civis são de natureza eminentemente pessoal,
pertencentes e indissociáveis dos sócios, o lucro apurado será
integralmente submetido à tributação nas pessoas físicas dos sócios, de acordo
com a participação societária de cada um, independentemente de ocorrer
distribuição efetiva ou não. Não haverá tributação na pessoa jurídica..."
12. Entendendo que as sociedades constituídas por profissionais no exercício de
profissões regulamentadas, na verdade, constituem verdadeiras
cooperativas de trabalho, não auferindo lucro como pessoa jurídica, mas sim
unicamente na pessoa dos sócios, o Decreto-Lei nº 2.397/87 tratou de
estabelecer uma tributação, no que se refere ao imposto de renda pessoa
jurídica, compatível com esse tipo de sociedade, excluindo-a da incidência
daquele imposto (a tributação ocorre só na pessoa dos sócios), tendo em vista
essas características peculiares. Daí porque posteriormente (Decreto-lei
nº2.429/88) houve por bem o legislador em estender a isenção à contribuição ao
FINSOCIAL. A isenção aqui se justifica como sendo uma constatação
do legislador que estas sociedades, tendo em vista suas características de
atuação, não se movem sob a força do capital, mas do trabalho.
13. Agora, ao se instituir a Contribuição Social sobre o Faturamento para
Financiamento da Seguridade Social, pela Lei Complementar nº 70/91, outra vez
o legislador, percebendo a incompatibilidade de exigência da exação sobre as
sociedades uniprofissionais, tomou o extremo cuidado de, na própria lei
criadora da contribuição, isentar essas sociedades do recolhimento da nova
contribuição. Ora, se tal benefício foi criado por intermédio de lei
complementar, demonstrando todo um zelo e preocupação do legislador, tendo em
vista as peculiaridades do sujeito passivo, não parece razoável que a
mesma seja revogada por uma lei que não seja da mesma espécie. Cumpre
esclarecer, ademais, que essa característica é inerente a essas sociedades, que
não perderam essa condição em virtude da revogação do Decreto-Lei nº 2.397/87.
Elas permanecem como tal até mesmo para efeito do Imposto sobre
Serviços - ISS (Decreto-Lei nº 406/88 e alterações), o que vale dizer que a lei
não criou essa situação: na verdade, apenas constatou-a, o que ressalta
ainda mais o zelo do legislador ao pretender manter a isenção nos termos de lei
complementar.
14. Desse modo, não se pode passivamente aceitar que a Lei nº 9.430, de
30.12.1996, meramente ordinária, venha revogar isenção concedida em Lei
Complementar. Na espécie, não se trata apenas de respeito ao princípio da
hierarquia das leis, o qual também não se pode ignorar, em que pese as
posições contrárias a sua existência, mas sim de um princípio que regula não só
o sistema tributário nacional, como todo o Estado de Direito, qual seja, o
da segurança jurídica.
15. O eminente Tércio Sampaio Ferraz Jr., em excelente trabalho, assim se
manifestou sobre esse último tema:
"...O tema segurança jurídica é, ao mesmo tempo, um dos mais simples e
intrincados do direito. Sua simplicidade repousa no aspecto intuitivo que a
idéia
fornece, no sentido de que o direito, onde é claro e delimitado, cria condições
de certeza e igualdade que habilitam o cidadão a sentir-se senhor de seus
próprios atos e dos atos dos outros. Seu intricado está justamente nesta
dificuldade primária do significado desse estar senhor de seus atos e dos atos
alheios na medida em que os outros também devam estar senhores dos seus e dos
nossos atos.
Diz-se, assim, que a segurança depende de normas capazes de garantir o chamado
câmbio das expectativas. Ora, como diz Radbruch, a segurança jurídica
exige positividade do direito: se não se pode fixar o que é justo, ao menos que
se determine o que é jurídico. Segurança significa a clara determinação e
proteção do direito contra o não-direito, para todos. Na determinação do
jurídico e, pois, na obtenção da segurança, a certeza é um elemento primordial.
Por certeza entende-se a determinação permanente dos efeitos que o ordenamento
jurídico atribui a um dado comportamento, de modo que o cidadão
saiba ou possa saber de antemão a consequência de suas próprias ações..." (in
Revista de Direito Tributário, 18/51, Editora RT).
16. Tem-se, assim, que todos os princípios constitucionais que limitam o poder
de tributar são direcionados a um único objetivo, de conferir ao cidadão
total proteção e segurança jurídica, de forma que este não fique à mercê do
arbítrio dos sujeitos ativos titulares das competências tributárias. Agora,
indaga-se, a lei complementar seria um dos instrumentos formadores dessa
segurança jurídica?
17. A resposta para essa indagação só pode ser positiva, visto que as situações
em que se prevê a obrigatoriedade de lei complementar fulcram-se
exatamente na necessidade de se conferir à sociedade segurança jurídica contra
possíveis abusos do poder tributante. Ora, dentro do ordenamento
constitucional verifica-se que a exigência da lei complementar sempre teve o
objetivo de conferir ao cidadão a maior garantia possível dos seus direitos
fundamentais conferidos pela própria Lei Maior, como se pode exemplificar em
alguns casos:
(i) "...Art. 146. Cabe à lei complementar:
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar..."
(ii) "...Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir
empréstimos compulsórios..."; e
(iii) "...Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
VII - grandes fortunas, nos termos da lei complementar...".
18. Esses são alguns dos exemplos da obrigatoriedade que impõe a Constituição
Federal para o uso da lei complementar, e não é muito difícil observar que
assim o fez o legislador constituinte pensando justamente na necessidade de
quórum especial para a aprovação destas leis, uma vez que, segundo o artigo
69 da Constituição Federal, as leis complementares somente poderão ser aprovadas
por maioria absoluta dos membros das duas casas do Congresso
Nacional.
19. Ora, essa exigência não pode ser ignorada, ainda mais porque é a própria
Constituição Federal que abraça a democracia representativa: quanto mais se
exige a presença dos membros do Poder Legislativo, aumenta-se a garantia dos
cidadãos. Assim, há que se ter em mente não apenas as situações em que a
Constituição Federal previu a necessidade de se regulamentar alguma matéria por
via de lei complementar, mas também o objetivo com que esta foi
utilizada, pois somente assim é que se estará dando melhor interpretação aos
dispositivos constitucionais.
20. Quanto a isso, é importante ressaltar, que a Impetrante não desconhece e nem
tampouco está desconsiderando o que Supremo Tribunal Federal já
havia entendido, quando do julgamento da exigibilidade da contribuição social
sobre o lucro, no sentido de que as contribuições sociais previstas no artigo
195, inciso I, da Lei Maior, dispensavam a necessidade de serem criadas
obrigatoriamente por intermédio de lei complementar. Isto porque, segundo
aquela Colenda Corte, a Constituição Federal já delimita a estrutura básica das
hipóteses de incidência dessas constrições, podendo a lei ordinária
regulamentar a exação prevista.
21. E é justamente esse o entendimento adotado pelo citado Tribunal Superior,
que enseja as ilações aqui apresentadas pela ora Impetrante. Para melhor
aclarar o exposto, cumpre transcrever aqui trechos do acórdão do Supremo
Tribunal Federal, proferido nos autos da Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade nº 1-1 que, por sua vez, reproduz os trechos de decisões
anteriores proferidas pela mesma Corte e que justificam a não exigência de
lei complementar para a instituição das contribuições sociais elencadas no
artigo 195, inciso I, "in verbis":
"...18. Essa remissão, contudo, tem o inequívoco sentido de submeter as
contribuições às normas gerais de direito tributário, o que não significa que a
própria instituição do tributo dependa de lei complementar. Note-se, além disso,
que a exigência de prévia definição dos fatos geradores, bases de cálculos
e contribuintes, constante do art. 146, III, letra "a", é dirigida unicamente
aos impostos discriminados na Constituição, e não às contribuições."
19. Nesse sentido a orientação do Supremo Tribunal Federal, firmada em vários
precedentes, dentre os quais o RE 146.733-9-SP, em que destacou o
eminente Relator, Ministro MOREIRA ALVES:
"Note-se, ademais, que, com relação aos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes, o próprio artigo 146, III, só exige estejam previstos na lei
complementar de normas gerais quando relativos aos impostos discriminados na
Constituição, o que não abrange as contribuições sociais, inclusive as
destinadas ao financiamento da seguridade social, por não configurarem impostos.
Assim sendo, por não haver necessidade, para a instituição da contribuição
social destinada ao financiamento da seguridade social com base no inciso I do
artigo 195 - já devidamente definida em suas linhas estruturais na própria
Constituição - da lei complementar tributária de normas gerais, não será
necessária, por via de consequência, que essa instituição se faça por lei
complementar que supriria aquela, se indispensável..."
20. No RE 138.284-8-CE, observou, por igual, o eminente Ministro CARLOS VELOSO:
"A norma-matriz das contribuições sociais, bem assim das contribuições de
intervenção e das contribuições corporativas, é o art. 149 da Constituição
Federal. O artigo 149 sujeita tais contribuições, todas elas, à lei complementar
de normas gerais (art. 146, III). Isto, entretanto, não quer dizer, também já
falamos, que somente a lei complementar pode instituir tais contribuições. Elas
se sujeitam, é certo, à lei complementar de normas gerais (art. 146, III).
Todavia, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar
defina os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (art.
146, III, "a")..."
25. A Lei Complementar nº 70, de 1991, efetivamente instituíra contribuição
social com fundamento no art. 195, I, da Constituição Federal, em
substituição à contribuição de que tratava o Decreto-lei nº 1940/82, com as
alterações posteriores...".
...No caso das contribuições sociais, por exemplo, a afetação constitucional da
contribuição ao financiamento da Seguridade Social é elemento constitutivo
dessa espécie tributária, sendo, portanto, tributos causais nesse ponto
aproximando-se das taxas, mas se distanciando dos impostos, que não são
vinculados..."
22. Não obstante, a instituição da contribuição social sobre o faturamento foi
efetivada por intermédio de lei complementar, ou seja, valeu-se o legislador
de quórum especial imposto pelo artigo 69, de maioria absoluta do Congresso
Nacional, para aprovação da Lei Complementar nº 70/91, quando,
repita-se, mera lei ordinária teria o condão de regulamentar esse tributo. E,
note-se, que a lei não cingiu-se apenas às normas estruturais da exação,
conforme foi demonstrado, fazendo questão de outorgar isenção conferida às
sociedades civis de profissão regulamentada. Ressalte-se que, sem nenhuma
dúvida, seria muito mais cômodo a regulamentação da isenção por meio de lei
ordinária, quer seja para sua aprovação, quer seja para futura revogação.
Mas será que o intuito do legislador não foi o de justamente dificultar eventual
alteração da contribuição social sobre o faturamento, fazendo, justamente
para isso, uso de lei complementar?
23. Note, Excelência, que o trecho do acórdão acima apresentado vem justamente
estabelecer que à contribuição social em tela, por ser uma contribuição
prevista no artigo 195, inciso I, da Constituição Federal, cuja estrutura
fundamental já fora definida no texto constitucional, não se aplicariam as
disposições
do artigo 146, inciso III, que determina que a definição de tributos e sua
espécie devem ser efetivadas por intermédio de lei complementar, bem como os
elementos básicos da exigência dos mesmos, como o fato gerador, base de cálculo
e contribuinte.
24. Por sua vez, esse comando do artigo 146, III, em que pese tentar abordar
todos os elementos essenciais para viabilizar a exigibilidade do tributo, não
exigiu taxativamente o veículo de lei complementar para conceder isenções. Ora,
a isenção é hipótese de exclusão do crédito tributário, ou seja, exigiria,
como é sabido, o mesmo grau de cuidado que a própria criação ou majoração dos
tributos, jungida ao princípio da reserva absoluta de lei.
25. Mesmo assim, a Constituição Federal não se preocupou em exigir lei
complementar com o intuito de se implementar isenções tributárias. Isso
Excelência, dentro de um sistema constitucional que se notabiliza justamente por
ser rígido é exaustivo, ou seja, mormente no que tange ao sistema
tributário, a Constituição Federal prima por fixar todos os contratos e regras
que delimitarão as exigências tributárias.
26. Desse modo, dentro do que foi aqui demonstrado, só se pode concluir que o
legislador constituinte fez questão de deixar lacunas que permitissem ao
legislador comum a faculdade de se utilizar do instrumento normativo que tinha à
sua disposição (é óbvio que essa opção se restringe às leis ordinárias e
complementares), como forma até de conferir maior credibilidade à isenção
outorgada (e, consequentemente, também maior dificuldade para sua
revogação), levando em conta os critérios utilizados para sua concessão. Isto
porque, não obstante a exigência de lei para a concessão de uma isenção, o
sistema confere à entidade tributante a possibilidade de revogá-la, também por
lei, a qualquer momento.
27. A isenção da COFINS para as sociedades civis uniprofissionais se deu em
virtude da peculiaridade do funcionamento dessas empresas, cujo
faturamento se confunde com os próprios rendimentos auferidos pela pessoa
física, sendo que a tributação, em que pese ter como hipótese de incidência o
faturamento das empresas, na verdade, atinge diretamente os ganhos de
profissional liberal, que tem na sociedade apenas um instrumento de viabilização
do
seu trabalho que é de natureza pessoal. Ora, tendo em vista que a mesma poderia
ser revogada a qualquer momento, porque não garantir a essas
sociedades um mínimo de segurança, concedendo a isenção por via de lei
complementar e assim fazendo dificultar a possibilidade de revogação desta, o
que exigiria uma outra lei complementar?
28. Sem dúvida, foi isso que levou o legislador a outorgar tal isenção às
sociedades civis de profissão regulamentada por intermédio de lei complementar.
E
nem se fale que a Lei Complementar nº 70/91 só foi instrumento de instituição da
COFINS por mera cautela, tendo em vista eventuais riscos quanto ao
questionamento da sua constitucionalidade. Em que pese o despropósito da
argumentação, ainda assim não se justifica a concessão de isenção pela
complementar, posto que ainda que pairassem dúvidas quanto a instituição de
contribuições sociais por meio de lei complementar, o mesmo não ocorria
com a isenção, uma vez que inexiste na Constituição Federal qualquer exigência
nesse sentido.
29. Desse modo, não existe outra justificativa para explicar a concessão da
isenção por meio de lei complementar. Não se pode olvidar a possibilidade do
uso da lei complementar como instrumento que proporcione segurança jurídica
maior ao contribuinte, portanto, mesmo dispensável o veículo da lei
complementar, se foi feito uso desse, por opção do legislador, deve-se entender
que essa forma de procedimento legislativo deve ser respeitada.
30. Existem duas correntes doutrinárias, uma reconhece a supremacia hierárquica
da lei complementar sobre os demais atos normativos e outra que nega
qualquer relação hierárquica entre as mesmas. A ora Impetrante insiste em
defender a existência de hierarquia entre as leis apontadas.
31. Os defensores da tese de que a lei complementar não ocupa uma posição de
prevalência sobre a lei ordinária, o fazem utilizando-se simplesmente como
fundamento o fato de que o seu campo e previsão se encontram especificados na
Constituição Federal. Todavia, esse argumento, com a devida vênia, não
tem boa base de sustentação frente ao texto da Lei Maior.
32. Com efeito, para se dar à Constituição pátria a devida interpretação, deve
ser utilizado o critério sistemático. Veja o que preceitua o artigo 59:
"Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos; e
VII - resoluções".
33. Não há como se negar que não exista uma relação de hierarquia entre os
diversos instrumentos legislativos acima apontados, vez que os mesmos estão
discriminados pela importância que representam, a qual se denota também pelo
grau de dificuldade em sua aprovação.
34. A emenda à Constituição difere da lei complementar, em virtude dos limites
em que deverá ser proposta e o quórum. Tudo isso para conferir à
Constituição Federal a credibilidade de que necessita um Estado de Direito. Para
a lei complementar, o processo de instituição é o mesmo da lei ordinária,
no que tange à iniciativa e tramitação, diferenciando-se quanto ao quórum que é
exigido para sua aprovação, qual seja, maioria absoluta.
35. O mesmo ocorre com os demais dispositivos elencados no artigo 59 da CF, como
é o caso da medida provisória, que tem que obedecer ao processo
legislativo. Assim, não se pode negar que existe relação de hierarquia entre os
instrumentos normativos.
36. Daí decorre, que a lei complementar não pode ser alterada por lei ordinária,
sob pena de tornar inútil as exigências para a instituição dessas referidas
normas. Tentar justificar isso com a argumentação de que a lei complementar
apenas tem campo de atuação diferenciado é deixar bem claro que existem
alguns preceitos constitucionais que são inúteis, o que seria uma verdadeira
afronta à Carta Magna.
37. A a lei complementar tem por objeto determinadas matérias.
38. Mister se faz deixar claro, que quando o legislador constituinte quis
delimitar as matérias que seriam objeto de regulamentação por determinado
instrumento normativo, assim o fez de forma expressa. É o caso, por exemplo, das
emendas constitucionais, que poderão alterar qualquer dispositivo
constitucional, exceto os que estão expressamente previstos nos incisos do
parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição Federal. A mesma coisa se percebe,
por exemplo, no caso das leis delegadas, em que novamente o constituinte
expressamente delimita o seu campo de atuação, como se pode perceber pelo
que dispõe o artigo 68.
39. Indaga-se realmente a lei complementar apenas tem um campo determinado de
atuação, por que o legislador constituinte não criou um dispositivo no
qual elencaria toda a matéria que seria de competência exclusiva de lei
complementar? Se assim foi feito para as hipóteses de emenda constitucional,
para
as hipóteses de lei delegada, porque não poderia ter sido feito para as leis
complementares?
40. A única conclusão plausível a que se pode chegar é a de que o constituinte
não tinha a pretensão de exaurir o campo de atuação da lei complementar,
apenas prevendo algumas situações em que entendia que a mesma seria
imprescindível.
41. Ademais, levando às últimas consequências a tese de que inexiste hierarquia
entre a lei complementar e a lei ordinária, mas sim campos diferenciados de
atuação, então também a lei complementar não teria o condão de revogar preceitos
estabelecidos por lei ordinária. Alias, é o que sustenta José Souto
Maior Borges, um dos arautos da tese da inexistência de hierarquia, que assim
expõe:
"...§ 3. Consequências de eventual antinomia entre a lei complementar e a lei
ordinária. Não se nega a procedência da afirmação de que a lei ordinária não
pode revogar a lei complementar. Todavia, partindo dessa afirmação não é
possível extrair a conclusão pela superioridade formal da lei complementar
porque a recíproca é igualmente verdadeira: a lei complementar não pode revogar
a lei ordinária..." (in "Lei Complementar Tributária", Editora REvista dos
Tribunais, 1975, páginas 24/25, 1ª ed.)
Nessa linha de raciocínio, então nem mesmo a Contribuição Social sobre o
Faturamento - COFINS, cuja constitucionalidade da Lei Complementar nº
70/91 foi confirmada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, teria sustentáculo
para ser exigida. Se os Ministros consideraram dispensável a lei
complementar, haja vista que se trata de contribuição editada nos termos do
artigo 195, inciso I, que poderia ser regulamentada por lei ordinária, seria
então inválida a lei complementar que estaria avançando campo de competência da
lei ordinária. Ora, isso é um verdadeiro absurdo, que afronta os
princípios jurídicos.
42. Não resta dúvida que a lei complementar concessiva de isenção fiscal não
pode ser revogada por lei ordinária, uma vez que toda a preocupação da
Constituição Federal em definir procedimentos específicos para a instituição de
normas perderiam seu significado. Essa verdade, deflui, como lembra com
proriedade Manoel Gonçalves Ferreira Filho (in Curso de Direito Constitucional,
Ed. Saraiva, 10ª ed., 1981), "... da própria lógica jurídica..." e do
princípio geral de direito segundo o qual um ato somente pode "... ser desfeito
por outro que tenha obedecido a mesma forma...".
43. Sendo o sistema tributário dotado de uma série de limites à capacidade de
imposição tributária do Estado, visando garantir ao contribuinte um mínimo
de segurança, a lei complementar, justamente em virtude do formalismo que rege a
sua promulgação, é que confere confiabilidade necessária aos seus
efeitos.
Ficou caracterizado o objetivo que justificava a discriminação apresentada, a
isenção da COFINS para as sociedades prestadoras de serviços de profissão
regulamentada é decorrente da condição peculiar destas, verificada desde a
edição do Decreto-Lei nº 2.397/87. A necessidade de manutenção desse
benefício é tão importante que o legislador fez questão de trazê-lo junto com a
instituição da nova contribuição sobre o faturamento, por meio de lei
complementar.
44. Não pode ser revogada uma Lei Complementar, veículo legislativo dotado de
maior complexidade, justamente para conferir maior credibilidade ao
benefício.
45. Por tudo isso é que a jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal,
segundo a qual a instituição de contribuições sociais independe de lei
complementar, pelo que, nesse passo, lei meramente ordinária poderia modificar
outra lei complementar, deve ser interpretada restritivamente, sob pena do
artigo 59 da CF tornar-se letra morta. Pode-se entender que uma contribuição
social possa ser instituída por lei ordinária. No entanto, se o legislador, ao
estabelecer um favor fiscal específico, atento a uma situação fática peculiar
resolve utilizar instrumento mais árduo para sua concessão, é evidente que o
caminho a trilhar para sua revogação tem que ser o mesmo.
III - CONCLUSÃO
46. Resta demonstrado que o disposto no artigo 56 da Lei nº 9.430/96 não pode
prevalecer, sob pena de ferir o direito líquido e certo da impetrante de,
tendo em vista sua caracterização como sociedade uniprofissional, gozar da
isenção conferida pelo artigo 6º, inciso II, da Lei Complementar nº 70/91.
Como lei ordinária não pode ter o condão de revogar o apontado benefício fiscal,
sendo que o dispositivo citado viola preceitos de ordem constitucional,
razão pela qual pode e deve ser mantida a isenção conferida.
47. Dessa forma, com fundamento no artigo 7º, inciso II da Lei nº 1.533/51, a
Impetrante requer a Vossa Excelência, digne-se em conceder medida
liminar, para o efeito de continuar isenta de recolher a contribuição social
sobre faturamento, sem o risco de sofrer qualquer autuação por parte da
Autoridade Coatora, no sentido de exigir o cumprimento do que determina a Lei nº
9.430/96.
Finalmente, a Impetrante requer seja expedido ofício à D. Autoridade Coatora,
para que preste as informações de praxe e, depois de ouvido o D.
Ministério Público, seja concedida em definitivo a segurança pleiteada, com a
confirmação da liminar, de forma que fique definitivamente impedida a
exigência da contribuição em tela.
Dá-se à causa o valor de R$ .... (....).
P. deferimento.
...., .... de .... de ....
..................
Advogado